A possibilidade de adiar as eleições deste ano por causa da pandemia de covid-19 no País pode levar juízes ao comando das prefeituras do País. A disputa está marcada para outubro, mas a falta de perspectiva de quando a crise se encerrará preocupa políticos e magistrados, que já discutem cenários para o caso de não ser possível a população ir às urnas neste ano.
Entre as alternativas cogitadas nos bastidores estão postergar as eleições até dezembro, unificá-las com as disputas de 2022 ou realizá-las no início do ano que vem, mas sem prorrogar mandatos dos atuais prefeitos e vereadores, o que poderia gerar contestações de adversários políticos. Nestes dois últimos cenários, a linha sucessória prevê que o juiz responsável pela comarca da cidade assuma a administração local provisoriamente em caso de ausências de prefeito, do vice e do presidente de Câmara Municipal.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ), chegou a mencionar a hipótese durante uma palestra, há duas semanas. Mas a manifestação foi vista por aliados apenas como maneira de posicionar-se contra a ideia de prorrogar mandatos de prefeitos e vereadores.
No meio jurídico, a possibilidade também é vista com ressalvas. Isso porque comarcas enfrentam déficit de magistrados e excesso de processos. “Não vislumbro esse cenário”, afirmou a presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Renata Gil de Alcantara Videira.
Propostas para alterar a data das eleições por causa do novo coronavírus já foram protocoladas no Congresso Nacional. A cúpula do Legislativo, porém, só pretende abrir algum debate a respeito em meados de maio ou junho. Cabe ao Legislativo alterar a Constituição.
“Temos somente duas opções. A melhor é que esteja tudo normal em outubro. A pior é termos que aprender a viver dentro da normalidade, descobrir como praticar os atos do calendário eleitoral nessas novas condições”, afirmou Henrique Neves, jurista e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), contrário ao adiamento.
Ainda que parlamentares promovam uma emenda constitucional, ela deverá ser judicializada porque a alteração ocorreria a menos de um ano até o domingo de votações. Portanto, é possível que o Supremo Tribunal Federal (STF) seja instado a se manifestar.
Enquanto isso, os atuais prefeitos fazem pressão. Preocupados em não serem politicamente afetados na reta final dos mandatos, eles desejam postergar os pleitos – com a prorrogação de seus mandatos – e colocam como contrapartida a chance de destinar o dinheiro do fundo eleitoral deste ano para ações de contenção. Os R$ 2 bilhões previstos no Orçamento estão reservados para gastos de candidatos como viagens, cabos eleitorais e publicidade.
“A suspensão, neste momento, me parece adequada. Para quando? Teremos que avaliar, mas me parece que em outubro não tem como. Suspendendo, poderíamos usar o dinheiro do Fundo Eleitoral para combater a pandemia”, afirmou Glademir Aroldi, presidente da Confederação Nacional dos Municípios, entidade que representa os prefeitos.
Os políticos mergulhados nas conversas sobre a postergação argumentam que etapas importantes do calendário eleitoral concorrem com uma fase ainda aguda da doença, e ações de assistência social necessárias poderão ser interpretadas como manobras eleitorais. Citam, como exemplo, as convenções partidárias, quando as candidaturas são oficializadas, previstas para julho e início de agosto.
Além disso, prefeitos reclamam que encerrarão os mandatos em um cenário de queda na arrecadação, por conta dos impactos da redução das atividades econômicas, e de elevação de despesas, acarretada pelas medidas necessárias à contenção do vírus.
“Prefeitos vão ter que tomar medidas, principalmente nas médias e pequenas cidades, onde a epidemia não está ainda com grau muito alto. Fecham comércios e existe uma pressão forte por causa disso. Estou com pena dos gestores municipais, tenho rezado por eles”, afirmou Aroldi.
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, manifestou-se sobre o assunto no dia 3 de abril. Prestes a assumir o TSE, defendeu a manutenção do atual calendário, mas admitiu um adiamento no máximo até dezembro.
A atual presidente da Corte, ministra Rosa Weber, também rejeita qualquer mudança de data por enquanto, mas, por via das dúvidas, criou um grupo de trabalho formado por técnicos da pasta para avaliar, semanalmente, os impactos da crise no calendário eleitoral. A primeira reunião do colegiado está prevista para esta terça-feira, 14.
A Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é contra unificar as datas das eleições. Para o presidente do colegiado, Eduardo Damian, o debate deveria ser restrito a estratégias para viabilizar as convenções partidárias em ambientes virtuais e para oferecer mais segurança aos eleitores, como ampliando horários de votação.
“Os prazos que hoje vigoram podem, mesmo que precariamente, ser cumpridos por meio do trabalho remoto. Se, porventura, a situação da pandemia não se controlar daqui a um ou dois meses discutimos uma solução razoável”, disse.