O governador de São Paulo, Márcio França (PSB), comemora a obtenção de uma nova fonte de recursos para pagamento de precatórios que espera deixar como legado de sua breve gestão à frente do Estado. Derrotado em segundo turno para o tucano João Doria, o então vice de Geraldo Alckmin (PSDB) conseguiu autorização do Tribunal de Justiça para utilizar depósitos feitos em juízo e retidos em um fundo avaliado em R$ 9 bilhões para ressarcir famílias que aguardam há décadas por indenizações.
A operação se dará a partir de uma espécie de empréstimo (sem juros) carimbado e assegurado pela emenda constitucional 99, aprovada ano passado. Ela estendeu de 2020 para 2024 o prazo limite para o pagamento, por Estados e municípios, de todos o estoque de precatórios e abriu a possibilidade de uso desse fundo alimentado diariamente por depósitos feitos em juízo de qualquer natureza – antes, a utilização só era possível nos casos em que o Estado era parte da ação.
A gestão França afirma que, em função dessa autorização, o governo paulista – que tem R$ 23,4 bilhões em precatórios a pagar, deve alcançar a maior marca anual de depósitos desde 2013, com previsão de alcançar R$ 3,5 bilhões até o dia 31 – ano passado foram R$ 3,1 bilhões aplicados para a redução da dívida. No primeiro lote de pagamentos, estima-se que cerca de 20 mil pessoas serão atendidas. São dívidas do Estado referentes a decisões judiciais tomadas em 2002 e 2003 e que não cabem mais recurso.
“Para muita gente será a concretização de uma tão esperada justiça, já que muitas das ações judiciais contra o Estado tiveram início no começo do século passado. Foi uma vitória da boa vontade contra a burocracia. Os recursos dos depósitos judiciais estavam lá e o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Manoel Calças, permitiu este entendimento”, afirmou França.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o desembargador Luís Paulo Aliende Ribeiro, coordenador da Diretoria de Execução de Precatórios (Depre), do TJ, explicou que a emenda 99/2017 permite com que 30% do fundo formado por depósitos em juízo possam ser tirados por Estados e municípios para pagamento de precatórios. O governo tem direito a usar metade desse montante, ou seja 15% ou aproximadamente R$ 9 bilhões.
“Depois de várias tratativas, o TJ regulamentou a forma como esse fundo pode ser utilizado. Uma portaria específica define agora como os entes devem fazer para se habilitar a promover saques desse fundo”, disse Ribeiro.
Para o desembargador, essa nova fonte de recursos vai facilitar não apenas o Estado, mas principalmente municípios pequenos, que quase não têm arrecadação – caso de Rio Grande da Serra, no ABC Paulista – e grandes cidades paulistas, como Campinas, Guarulhos e a capital, com dívidas muito elevadas. Todas estão sujeitas ao prazo definido para liquidação do estoque.
Teto de gastos
No caso do governo estadual, a retirada desses depósitos não poderá ser feita de uma só vez. Os saques terão de ser programados e definidos pela Secretaria da Fazenda com base na lei do teto de gastos – como a maioria dos precatórios dizem respeito a dívidas trabalhistas, os pagamentos são considerados despesa corrente líquida e não investimento, ficando sujeitos, portanto, aos limites estabelecidos pela legislação que permitiu a renegociação das dívidas dos Estados com a União.
Até 31 de dezembro, a gestão França deverá retirar ao menos R$ 1,2 bilhão desse fundo, elevando em 52% o valor pago neste ano. O valor restante poderá ser pleiteado nos próximos quatro anos por Doria, que assume em janeiro o cargo de governador e também a responsabilidade sobre a dívida do Estados. Para cumprir o prazo de zerar o estoque até 2024, o tucano terá de desembolsar R$ 4 bilhões, em média, por ano.
Para o especialista em direito administrativo Adib Kassouf Sad, a utilização desses depósitos ajuda, mas o que resolve é o poder público planejar de forma responsável esse pagamento. “Esse é um problema que tem de ser enfrentado de forma definitiva. O Estado não pode se apropriar de um bem de alguém sem planejar como fazer esse ressarcimento. Pagar precatório limita investimentos, mas só a curto prazo”, afirma, referindo-se aos precatórios derivados de desapropriações de imóveis para realização de obras, como linhas de metrô. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.