Em alegações finais, o Ministério Público Federal, no Paraná, aponta que há “farta prova documental” de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva era “proprietário de fato e possuidor” do sítio de Atibaia. O documento de 366 páginas, subscrito por 12 procuradores da República que integram a força-tarefa da Operação Lava Jato, reitera o pedido de mais uma condenação do petista.
Lula está preso desde 7 de abril, sentenciado a 12 anos e um mês de reclusão por corrupção e lavagem de dinheiro no processo do triplex do Guarujá. O petista nega ser o dono do sítio.
“Os variados elementos de prova comprovam que Lula atuava como proprietário de fato e possuidor do sítio de Atibaia e, nessa condição, Fernando Bittar autorizou e se envolveu na realização de obras ocultas e escondidas para Lula realizadas no sítio por Bumlai, Odebrecht e OAS”, afirma a Lava Jato.
A Procuradoria da República aponta que a reforma e melhoria do sítio teriam sido providenciadas pelas empreiteiras Odebrecht e OAS como propina a Lula. A propriedade é pivô da terceira ação penal da Lava Jato, no Paraná, contra o ex-presidente. O petista ainda é acusado por corrupção e lavagem de dinheiro por supostas propinas da Odebrecht – um terreno que abrigaria o Instituto Lula e um apartamento vizinho ao que morava o ex-presidente em São Bernardo do Campo.
A Lava Jato afirma que o sítio passou por três reformas: uma sob comando do pecuarista José Carlos Bumlai, no valor de R$ 150 mil, outra da Odebrecht, de R$ 700 mil e uma terceira reforma na cozinha, pela OAS, de R$ 170 mil, em um total de R$ 1,02 milhão. Em interrogatório, Bumlai declarou não ter pago “nem um real” nas obras.
O sítio de Atibaia está em nome do empresário Fernando Bittar, filho de Jacó Bittar, amigo de longa data do ex-presidente. Segundo a Lava Jato, o empresário “franqueou a Lula e família a oportunidade de utilizaram o Sítio de Atibaia da forma que melhor entendessem”.
“Tal circunstância – empréstimo da propriedade por Fernando Bittar a Lula e Marisa para usarem como lhe aprouvessem – confirma a denúncia de que, sem prejuízo de Fernando Bittar exercer atributos da propriedade, entre eles, usar e gozar, Lula e Marisa Letícia atuavam e utilizavam o local também como proprietários, ou seja, portavam-se como proprietários de fato e possuidores do Sítio de Atibaia.
“De se ver que, para além das provas orais reunidas na instrução processual, conforme exposto na denúncia (Capítulo “V.1.1.1 – Dos proprietários de fato e possuidores do Sítio de Atibaia), foi colhida farta prova documental a demonstrar que Lula e Marisa Leticia se portavam como possuidores e proprietários de fato do Sítio de Atibaia (ainda que de modo compartilhado com Bittar).
O Ministério Público Federal acusa Lula por 10 delitos de corrupção passiva e outros 44 atos de lavagem de dinheiro. A Lava Jato pede ainda a condenação do empresário e delator Marcelo Odebrecht e do executivo ligado à OAS Agenor Franklin Magalhães Martins por corrupção ativa, e do ex-presidente da OAS, José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, por corrupção ativa e lavagem de dinheiro. O Ministério Público Federal pede ainda, por lavagem de dinheiro, a condenação do pecuarista José Carlos Bumlai e do ex-assessor do petista Rogério Aurélio Pimentel do empresário Emílio Odebrecht, do advogado Roberto Teixeira, do empresário Fernando Bittar e de outros quatro.
Os procuradores anexaram ao processo um recibo no valor de R$ 120 mil, em nome de Fernando Bittar e subscrito por um representante da Kitchens cozinha. A investigação aponta que, após acerto entre os réus, “nenhum gasto efetuado em Atibaia deveria conter o nome da OAS”.
Segundo a Lava Jato, os projetos e a nota fiscal da Kitchens ficaram em nome de Fernando Bittar “com intuito único de ocultar e dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação e propriedade dos valores provenientes dos crimes antecedentes, escondendo a origem dos valores e os responsáveis pelo pagamento, bem como o real beneficiário da reforma, no caso, o réu Lula”.
“O Ministério Público Federal junta os documentos em anexo, extraídos da quebra telemática de Paulo Gordilho, ressaltando, desde já, que são de acesso prévio às defesas”, anotou a Lava Jato.
A Procuradoria pediu “a decretação do perdimento do produto e proveito dos crimes, ou do seu equivalente, incluindo aí os numerários bloqueados em contas e investimentos bancários e os montantes em espécie apreendidos em cumprimento aos mandados de busca e apreensão, no montante de, pelo menos, R$ 155.378.202,04”. O valor corresponde ao “total da porcentagem da propina paga e lavada” por empreiteiras.
O cálculo da pena
No documento, a Lava Jato anota que “o crime de corrupção é um crime muito difícil de ser descoberto e, quando descoberto, é de difícil prova”. Os procuradores registram que “mesmo quando são provados, as dificuldades do processamento de ‘crimes de colarinho branco’ no Brasil são notórias, de modo que nem sempre se chega à punição. Isso torna o índice de punição extremamente baixo”.
O Ministério Público Federal pede regime fechado para o início do cumprimento da pena.
“Estamos diante de um dos maiores casos de corrupção já revelados no País. Não se pode tratar a presente ação penal sem o cuidado devido, pois o recado para a sociedade pode ser desastroso: impunidade; ou, reprimenda insuficiente”, afirmam os investigadores.
“Se queremos ter um país livre de corrupção, essa deve ser um crime de alto risco e firme punição, o que depende de uma atuação consistente do Poder Judiciário nesse sentido, afastando a timidez judiciária na aplicação das penas quando julgados casos que merecem punição significativa, como este ora analisado.”
As provas documentais da Lava Jato contra Lula no caso do sítio de Atibaia
– “Reiterado e frequente número de vezes que Lula e sua família compareceram ao sítio de Atibaia, a partir dos dados fornecidos pela praça de pedágio e diárias pagas pela Administração Federal aos seguranças de Lula em razão de deslocamentos para Atibaia
– Diversos e-mails do Instituto Lula que comprovam a utilização e gozo do Sítio de Atibaia por parte da família Lula fazendo menções a:
(i) plano de câmeras de segurança do Sítio de Atibaia com referência a casa do PR;
(ii) presença de Marisa no sítio em um feriado;
(iii) mapa da cidade de Atibaia para auxílio do plano de segurança de Lula;
(iv) instalação de estação de tratamento no sítio;
(v) animais domésticos da família Lula;
(vi) cardápio de almoço de interesse de Marisa Letícia no sítio;
(vii) frequência ao sítio às vésperas das festas de fim de ano, com a presença de seguranças de Lula;
(viii) assuntos relacionados ao dia a dia da gestão do sítio tratados com o caseiro Maradona com seguranças de LULA, tais como, – listas de materiais de construção necessários para intervenções; recibos de compras de itens da propriedade; – relato sobre os animais de estimação (peixes, galinhas, pato, pavão, etc.), etc.
– Laudo pericial nº. 0392/2016-SETEC/SR/DPF/PR131, confeccionado a partir da busca e apreensão no Sítio de Atibaia, que aponta que no local existia uma variedade de bens de uso pessoal de Lula e Marisa Leticia;
– Parte considerável da mudança de Lula, após este deixar o mandato presidencial, teve como destino o Sítio de Atibaia;
– Notas fiscais em nome de Marisa Letícia e de seguranças de Lula relacionadas a bens encontrados no Sítio de Atibaia, bem como documentação relativa a atendimento veterinário, na cidade de Atibaia, de animal de estimação de Marisa Leticia;
– recibos e documentos relacionados às obras efetuadas por José Carlos Bumlai e Odebrecht em benefício de Lula, apreendidas na residência deste;
– minutas de escrituras de compra e venda do Sítio de Atibaia tendo por aquirentes Lula e Marisa Letícia a demonstra que o casal tinha a intenção de consolidar a propriedade em seu nome”.
Defesa
Em nota, a defesa do ex-presidente Lula, afirmou: “Nas 366 páginas escritas pelos procuradores não há indicação de qualquer prova da culpa de Lula, mas apenas ilações baseadas em afirmações de delatores que ganharam a liberdade e receberam outros generosos benefícios do Ministério Público. O documento também omite as provas de inocência de Lula, como, por exemplo, ao deixar de citar perícia feita por sua defesa no sistema de contabilidade paralela da Odebrecht que comprovou que os valores que a acusação tenta vincular ao ex-presidente na verdade foram sacados em benefício de um alto executivo daquele grupo empresarial. Lula não é o proprietário do sítio e tampouco praticou qualquer crime.”