“Não é santinho de político, não”, se apressa José Augusto Moura, enquanto tenta distribuir folhetos de um restaurante na Avenida Paulista, na região central de São Paulo. É uma estratégia. “Só assim para as pessoas aceitarem. Era eu esticar o braço e as pessoas respondiam ‘já tenho candidato’. Hoje em dia ninguém quer saber de político. Até o pessoal das campanhas percebeu.”
Driblar a resistência das pessoas nas ruas e enfrentar a falta de paciência em relação à política tem sido um desafio – não só para Augusto, que trabalha no comércio e é afetado indiretamente – mas para militantes que ainda veem no contato corpo a corpo uma forma eficaz de conquistar votos.
Para analistas ouvidos pela reportagem, este comportamento e a consequente debandada das militâncias das ruas para as redes são sintomas da desilusão dos brasileiros em relação às eleições. Assim como há quatro meses o “clima” de Copa do Mundo não foi como em anos anteriores no País, o barulho típico das ruas nos tempos de eleição foi bem diferente e fez surgir a sensação do surgimento de campanhas “fantasmas”, ou pelo menos tímidas.
“Houve muita resistência. Sentimos isso indo para a Praça da República todos os dias”, conta Alex Sandro, que trabalhou numa campanha do PT. “As campanhas foram mais tímidas nas ruas neste ano”, avalia Magali Cristina Lopes, que trabalhou em Itaquera, na zona leste, para um candidato do PSDB. “Difícil. Uma forma de fazer as pessoas aceitarem os santinhos é conversando. Fiz isso, mas mesmo assim muitos negavam. Não era assim.”
“A menor intensidade de militância nas ruas indica um desgaste dos políticos e da política”, analisa o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Mackenzie. “Isso deixa as pessoas receosas de se exporem. O clima de violência na política também leva a isso. Mas as campanhas também estão mais virtuais. Mais nas redes do que nas ruas. Isso tudo contribui.”
Outro fator que pesou no afastamento das militâncias das ruas foi a atuação dos partidos. Em geral, a sensação de não se sentir mais representado. Foi o que aconteceu com o funcionário público Caike Ramos, que neste ano não militou por candidatos de seu partido, o PSTU. “A desilusão vem por parte dos partidos de esquerda não conseguirem dialogar com o povo, com a periferia”, diz Caike.
“Há uma possibilidade de que as pessoas estejam se manifestando agora de forma mais negativa do que positiva em relação às candidaturas”, diz o cientista político Jairo Pimentel, da Fundação Getulio Vargas. “Além disso, as campanhas estão com menos dinheiro, com a proibição de doações empresariais. Isso se reflete em menos gente na rua. Com isso e as desilusões com os partidos, a tendência é mesmo o esvaziamento.”
‘Desmoralização’
O momento impôs dificuldades mesmo para quem já tinha experiência de militância na rua, como o deputado federal Ivan Valente (PSOL), que tenta se reeleger para o quinto mandato. A reportagem acompanhou uma panfletagem do candidato e sua equipe na Avenida Paulista. Apesar da grande movimentação de pessoas e de ser um político conhecido, poucos paravam para receber o material de campanha e conversar ou tirar fotos com Valente. O destino fatal de boa parte dos folhetos distribuídos era a primeira lixeira no trajeto dos eleitores.
“Houve um processo de desmoralização dos partidos. Então, isso se manifesta às vezes na rua na negação dos folhetos, levantando as mãos. Reação de forma mais agressiva é de um outro. Essa negação atrapalha”, disse o candidato. “Além disso, com as novas regras, você não vê mais cavalete, faixas, isso trabalha contra a democracia. Você vê no máximo alguns folhetos e as campanhas parecem menores.”
A reportagem também esteve em Grajaú e Parelheiros, no extremo sul da capital. Entre o horário de almoço e fim da tarde, a reportagem contou apenas cerca de 15 pessoas com bandeiras de candidatos nesta quinta, último dia de campanhas. “Nem recebemos mais santinhos na porta de casa ou do comércio”, diz a comerciante Márcia Bartiromo do Carmo. “Os que chegam são colocados na caixa do correio.”
“O cenário de incivilidade da nossa política atual faz com que as pessoas repensem prioridades. Ir para a rua e se arriscar não é uma dessas prioridades”, analisa Prando, sobre a forma como a discussão política parece se distanciar, de forma voluntária, do cotidiano de eleitores. Avaliação vista na prática até por quem é afetado indiretamente pela rejeição à política, como Augusto, o distribuidor de folhetos do restaurante da Paulista, do início desta reportagem. “No fim das contas, parece que as pessoas estão mais interessadas mesmo é no preço do prato feito, não com esses caras.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.