A ética jornalística diz que o jornalista deve ser totalmente ou o mais imparcial possível em suas publicações. Todavia, é extremamente difícil e complicado deixar a parcialidade de lado quando se fala, ou escreve, sobre aquilo que você vivencia diariamente. Aqui, atesto o meu compromisso, como profissional da comunicação, de ser o mais neutra possível no texto que toma forma.
No próximo domingo comemoramos o Dia das Mães. Para o comércio esta é a segunda data de maior índice de vendas, para alguns filhos esta é uma data para mostrar toda admiração e carinho por suas genitoras e para outros trata-se de uma data repleta de saudade, devido a ausência de alguém. Entretanto, em algum momento, você já parou para pensar o que essa data significa para as mães? Em algum momento você, como filho e filha (que ainda não vivenciou a maternidade) sabe o que é ser mãe?
Se tem uma coisa que aprendi, desde o momento que descobri a gravidez, é que você só sabe o que é a maternidade, e o quão intensa ela é, a partir do momento que descobre que está gerando um ser indefeso e totalmente dependente de você. Quando o bebê nasce, e principalmente quando se é mãe de primeira viagem, sua cabeça gira, milhares de perguntas vem à sua mente, assim como os medos e inseguranças. Você olha para o seu filho (a) e se pergunta: “E agora José?”
Não adianta dizer que uma mulher se prepara para a maternidade durante a gravidez, porque não é isso que realmente acontece. Fisiologicamente falando, sim, a gestação prepara o seu corpo para ser mãe, para conseguir realizar o parto, para produzir o leite e alimentar o bebê. Porém, psicologicamente falando, não, a mulher não está totalmente preparada para ser mãe. Ser mãe é construção diária, é ter medo, é se sentir insegura e mesmo assim continuar.
Prova disso é a culpa materna. Por acaso você já ouviu falar ou já teve este sentimento? Muitas vezes essa culpa que as mães sentem começa a aparecer antes mesmo do bebê nascer. Ainda na gestação. Engana-se quem acha que a culpa materna é algo que atinge só as mães biológicas. Ela atinge também as “mães do coração”. Se você ainda está perdido no que estou falando e não tem a menor ideia do que seja esse sentimento, calma! Vou tentar explicar.
O que é culpa materna?
Basicamente culpa materna é o sentimento de culpa que as mães carregam consigo. Essa sensação está diretamente ligada aos julgamentos e comparações que a mulher está sujeita, e precisa conviver, a partir do momento que adota uma criança ou descobre a gravidez. Em grande parte das vezes, os julgamentos e comparações acontecem dentro de casa ou partem de pessoas próximas, e como consequência acaba gerando medo e insegurança nas mulheres.
É importante ressaltar que a culpa materna pode aparecer em momentos diferentes e se manifestar de formas diferentes para cada mãe. Ou seja, trata-se de um sentimento subjetivo. Para Andressa Oliveira, de 26 anos, mãe da Maria Fernanda, de 6 meses, culpa materna é a “sensação de estar fazendo muito menos do que se deve fazer”. A moça relembra que a primeira vez que notou a presença desse sentimento foi quando levou a filha recém-nascida para furar a orelha.
“Na minha cabeça eu fiz ela sofre por algo que era uma vontade minha e não dela.”
Para se ter noção de como esse sentimento se manifesta de formas e em momentos diferentes, questionei a médica Malawy Hernandez, de 43 anos, e mãe de Dayan Alejandro, de 20 anos, se ela se recordava do primeiro sentimento de culpa materna e a resposta dela foi a seguinte:
“Minha culpa começou muito antes. Tive meu filho no último ano da faculdade e precisei deixá-lo aos cuidados da minha mãe, com 25 dias de nascido. Foi aí quando senti a primeira culpa”.
Outro ponto que podemos ter certeza é de que a culpa materna não está relacionada a idade. Por exemplo, uma mulher que tem o seu primeiro filho aos 35 anos e uma que teve a primeira gestação aos 25 anos, ambas sentirão culpa materna. Isso porque a culpa está relacionada aos medos e incertezas da maternidade e não com a maturidade em si.
“Independente da idade acredito que seja quase impossível uma mãe não se sentir culpada”, disse Andressa Oliveira.
Para as mamães que possuem filhos pequenos e adolescentes, e eu me enquadro nesse grupo, sinto informar que o sentimento de culpa materna não vai diminuindo à medida que os filhos (as) vão crescendo. É claro que precisamos levar em consideração a vida, as condições e escolhas de cada mãe antes de julgá-las, porém, o sentimento de culpa não muda. Ele apenas vai se modificando a partir da atual realidade em que a mãe e os filhos se encontram.
Vamos trazer como exemplo a trajetória da médica: Malawy é natural de Cuba, teve o filho no último ano da faculdade de medicina e precisou deixá-lo, ainda recém-nascido, com a mãe para poder terminar a faculdade. Depois de formada, a profissional precisou abandonar o seu país de origem, o filho e a família, para ir morar em outro país, através do programa Mais Médicos, para buscar melhores condições de vida.
“Quando somos mães, vemos as necessidades de nossos filhos. Lá [em Cuba] eu poderia dar muito amor, mas faltaria muitas coisas que, sem um trabalho digno, a gente não poderia dar”, explicou ela, que completou dizendo que quando os filhos crescem, o sentimento de culpa só aumenta.
“O pior de tudo é que mesmo adulto, aquele medo que temos quando eles são pequenos, aumenta. Porque agora quero cuidar dele como se fosse pequeno, porém com os riscos de um adulto. Se vai fazer coisas erradas, se namora com uma menina boa.”
Existe relação entre a quantidade de filhos e a culpa materna?
Diante de tudo que já foi dito anteriormente, é natural se perguntar: a insegurança e a culpa materna mudam quando você é mãe de primeira viagem e quando já se tem experiência? Mirley Abadia é pedagoga, tem 33 anos, e é mãe de dois meninos: Miguel, de 10 anos, e Maurício, de 7 anos. Para ela, o sentimento muda bastante, pois os “erros” cometidos na primeira gestação e com o primogênito, você tenta fazer de forma diferente.
“A maternidade em si já nos traz muitas batalhas diárias. Mas o que mais me faz sentir culpa, é a insegurança de educar, a falta de paciência, a sobrecarga com trabalho e que as vezes nos faz deixar algo a desejar com os filhos.” explicou ela.
Um ponto muito interessante tocado pela fala acima diz respeito a necessidade de trabalhar e de cuidar de uma criança. Novamente, é preciso lembrar que cada mãe vive uma realidade diferente da outra. Mirley, já foi mãe em tempo integral e já foi uma mãe que trabalhou fora. Sobre isso, ela diz que quando você precisa sair para trabalhar, a cobrança e a culpa materna são ainda maiores, pois falta tempo para auxiliar os filhos em atividades simples e cotidianas, tais como as tarefas escolares e até mesmo nos momentos de lazer.
Andressa, mamãe da Maria Fernanda, administra a loja da família e precisou “abrir mão” da licença maternidade para cumprir com as responsabilidades do empreendimento familiar. Tendo como ponto de partida a necessidade de conciliar maternidade e trabalho, ela diz que este é um dos pontos que mais a fazem sentir culpa materna.
“Me sinto culpada por ela não ficar em uma ambiente onde tenha todo o conforto, querendo ou não, na loja, ela fica sem lugar. O sono dela não é o mesmo porque tem muito movimento e barulho. Me sinto culpada por ela não ter uma rotina tranquila, muitas vezes extrapola os horários dela.”
Culpa materna e relações pessoais
As relações pessoais, de modo geral, estão diretamente ligadas ao sentimento de culpa materna, principalmente quando há comparações e cobranças. Quem é que nunca viveu uma situação onde a sogra, por exemplo, te cobrou por tomar uma atitude diferente daquela que ela tomou com os filhos. Existe também aquela cobrança, quando os pais da criança não são um casal. E o que dizer quando você perde um filho, está se culpando, e os familiares não têm tato no momento do consolo?
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Bem, qualquer uma destas situações são complicadas, fazem com que a mãe fique insegura e se questione, além de precisar de muita paciência para não “explodir” e lidar com a situação.
“Os julgamentos fazem a gente relacionar todos esses sentimentos relacionados à culpa materna. Ao invés de sermos acolhidas, somos julgadas”, refletiu Mirley.
Maiza Mota tem 21 anos, é estudante de direito e mãe da Maria Vitória, de 3 meses. A mamãe de primeira viagem diz que ao longo da gestação e dos três meses de vida da filha, se sentiu culpada inúmeras vezes por ter engravidado estando cursando a faculdade, por não estar em um relacionamento com o pai da criança, além de vários outros motivos.
“Assim que eu descobri a gravidez esse sentimento [de culpa] aflorou. A sensação da família estar incompleta faz com que eu me cobre mais como mãe. As vezes sinto que estou deixando a desejar como mãe e também como estudante, por não conseguir fazer toda a rotina ou por exaustão , por perder um pouco da paciência e até mesmo a falta de apoio do pai, em alguns momento, me deixa com esse sentimentos de culpa materna.” relata Maiza.
A carga materna, por assim dizer, já é grande por si só. Porém, quando você tem uma perda gestacional, perde um filho no nascimento ou em qualquer outro momento da vida, é natural se culpar. Essa é uma experiência dolorosa e que a advogada Gabrielly Garcias, de 25 anos, precisou viver e saber lidar.
Gabrielly descobriu a gravidez aos 4 meses e precisou passar pelo luto materno quando, próximo ao dia do parto, em uma ultrassom não conseguiu ver a filha e ouvir seus batimentos cardíacos. A partir daí a advogada entrou em trabalho de parto para tentar salvar a vida da criança. Um parto normal de emergência, cheio de medos, insegurança, e que, segundo ela, não se lembra nem de sentir dor, apenas o desespero para salvar a vida do bebê.
Infelizmente, a criança não resistiu e nasceu sem vida. Gabrielly conta que teve que se despedir da filha, Camila, no mesmo dia em que ela nasceu. E como fica o coração de uma mãe nessa situação? Como lidar com a culpa após a perda? Como saber ser mãe de anjo?
“Nos primeiros dias, talvez meses, eu sentia que não fiz o suficiente para evitar quando, na verdade, eu nem tive tempo pra fazer algo. Com ajuda de uma psicóloga obstétrica, que me acompanhou desde o parto, comecei a entender e lidar com todas as fases do luto. Depressão, culpa, raiva, desespero, até enfim chegar na aceitação. Hoje em dia creio que lido bem com tudo. Pelo menos eu acho que sim.” explica a advogada.
Novamente nos deparamos com aquela questão: como as relações pessoais podem interferir e influenciar na culpa materna? Com toda certeza, nenhuma mãe deseja perder um filho. Essa não é a ordem natural das coisas, mas as vezes acontece. Já não basta a mãe ter que lidar com a sua própria dor?
Gabrielly lembra que as vezes, por mais que tentem, as pessoas falam coisas que podem machucar e que nem sempre é o que a mãe que perdeu o seu filho precisa ouvir naquele momento. “A verdade é que ninguém sabe apoiar uma mãe em luto. Sempre dizem as palavras erradas […] ouvir coisas do tipo “você vai ter outro bebe” , “poderia ter sido pior”, “Deus sabe o que faz”, é revoltante, mas só estão tentando ajudar.” disse ela.
Da conversa que tive com todas as entrevistadas, percebi que a aceitação de que nós somos as melhores mães que a nossa realidade nos permite, é unanimidade. A conclusão que podemos chegar é de que não temos o controle de tudo, a culpa faz parte da maternidade e nem sempre vão nos compreender ou ter apoio, mas assim como ela vem, ela passa.
Se tem algo que eu, Gabriela Amaral, aprendi com a minha filha, desde o momento em que descobri a gestação é que a maternidade é uma montanha russa, desde o primeiro momento. Ser mãe é conhecer o maior amor do mundo, é viver um dia de cada vez, é sentir culpa e perceber que você faz o melhor dentro da sua realidade.
“Você sabe, nos últimos 16 anos, quantos Dias das Mães passei com meu filho? Só 3. Após 6 anos, esse é o 4º que vamos passar juntos. São sentimentos encontrados, sinto um pouco de culpa e também muita gratidão” conta Malawy.
Por fim, quero deixar aqui registrado que o Dia das Mães é sinônimo de alegria, gratidão, resiliência e orgulho por todas as escolhas que você fez para dar o melhor para a sua família. Por mais que haja medo, insegurança e culpa, posso dizer com certeza que você, Mãe, é sinônimo de amor e cuidado.
Feliz Dia das Mães!