O caso de uma menina de 13 anos que foi impedida pela Justiça de Goiás a interromper uma gravidez após ser vítima de um estupro, segue em impasse, sem resolução.
A repercussão começou depois que o pai da menina teve um pedido judicial acolhido para proibir a realização do aborto legalizado, em Goiânia.
Segundo o Conselho Tutelar, a adolescente chegou a cogitar tomar medidas por contra própria caso não tivesse apoio para o procedimento de forma legalizada.
“A adolescente também [disse] que, se não tivesse apoio na decisão da interrupção da gestação, ela iria tomar outras medidas por parte dela”, diz trecho do documento do Conselho Tutelar enviado à Justiça.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) solicitou explicações ao tribunal goiano após a decisão que impediu a menina de interromper a gravidez.
O TJ-GO informou que, devido ao fato de o caso tramitar em segredo de Justiça, não pode se pronunciar sobre o assunto. Entretanto, destacou que todas as medidas determinadas pelo CNJ estão sendo cumpridas.
Entenda o caso
◼️Fevereiro: Denúncia da gravidez
Conforme relatos ao conselho, a menina se relacionava com um homem, de 24 anos, e eles teriam tido quatro encontros no mês de janeiro.
Em fevereiro, a menina procurou uma unidade de saúde para relatar a gestação e o caso foi denunciado ao Conselho Tutelar.
O Conselho Tutelar então notificou o pai da menina, solicitando que ele registrasse o caso na polícia. No entanto, o pai afirmou não ter interesse em formalizar a denúncia, explicando que fez um acordo com o suspeito para que ele “assumisse toda a responsabilidade pelo bebê”.
Entretanto, de acordo com o artigo 217 do Código Penal, qualquer pessoa que se envolva em um relacionamento amoroso com menor de 14 anos pode ser responsabilizada por estupro.
◼️Março: Pré-natal
Em março, o Conselho Tutelar visitou a adolescente e constatou que ela não estava fazendo o pré-natal de forma adequada. Por isso, a encaminhou ao programa Meninas de Luz, da Organização dos Voluntários de Goiás (OVG).
À época, também foi solicitado que a menina fosse matriculada em uma escola, já que ela não estava frequentando nenhuma. Além disso, o pai da adolescente foi advertido sobre a importância de garantir que ela frequentasse as aulas após a matrícula e cumprisse o pré-natal.
◼️Maio: Pedido de ajuda
A adolescente enviou uma mensagem pedindo ajuda a uma conselheira tutelar para que conversasse com seu pai, que havia proibido a interrupção da gestação. Ela relatou ao conselho que decidiu interromper a gravidez no final de abril e, desde então, vinha tentando convencer seu pai a concordar com sua decisão, sem sucesso.
Com essa situação, o conselho agendou um atendimento para a família no Hospital Estadual da Mulher (Hemu), onde os profissionais forneceriam orientações à menina e ao seu responsável sobre o procedimento.
Contudo, sem a autorização dos responsáveis e com a gestação se aproximando da 20ª semana, o Hemu ficou legalmente impedido de realizar o aborto solicitado pela menina.
De acordo com o Conselho Tutelar, após a proibição do pai, a menina começou a considerar tomar medidas por conta própria para interromper a gestação.
◼️Junho: Batalha Judicial
No início de junho começou a batalha judicial para que a menina conseguisse interromper a gravidez. O Conselho Tutelar solicitou urgência na análise do pedido por parte do Juizado da Infância e da Juventude e pelo Ministério Público de Goiás.
O aborto então foi autorizado pela juíza Maria do Socorro de Sousa Afonso da Silva, mas determinou que a vida do feto fosse protegida. Ela ainda salientou que a adolescente não precisava ter contato com o bebê, se não quisesse, e, em casos extremos, a vida dela deveria ser priorizada.
Inconformado, o pai da menina entrou com um processo para reverter a decisão. No dia 27 de junho, uma nova decisão judicial proibiu a interrupção da gravidez. O documento foi emitido pela desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade.
Conforme a decisão, a menina estava na 25ª semana de gestação. A desembargadora destacou que, no documento em que solicitou a proibição do aborto, o pai argumentou que “não há relatório médico indicando risco na continuidade da gestação”, que “o crime de estupro ainda está sob investigação” e que a menina sentia-se pressionada pelas imposições do Conselho Tutelar e acreditava que a interrupção da gestação cessaria essas ações.
A desembargadora então proibiu qualquer procedimento para interromper a gravidez, justificando que, até o momento, não havia no processo nenhum documento assinado por um profissional de saúde demonstrando risco de morte para a gestante.
Repercussão do caso da menina de 13 anos que se tornou impasse na Justiça
Após a decisão da desembargadora, o CNJ informou em um documento emitido em 12 de julho que tomou conhecimento de que a menina, grávida de 28 semanas, estava sendo impedida pelo TJ-GO de realizar um aborto legal.
O conselho, então, determinou que a juíza e a desembargadora fornecessem explicações sobre suas respectivas decisões, devendo apresentar as informações que considerarem pertinentes. De acordo com o TJ-GO, as providências solicitadas pelo CNJ estão sendo atendidas.
Posteriormente, a ministra do Ministério das Mulheres, Cida Gonçalves, disse que está acompanhando o caso e destacou que o caso não deveria sequer passar pela Justiça, pois a lei é clara sobre esse tipo de situação.
“Como falamos tantas vezes nas últimas semanas, criança não é mãe, estuprador não é pai e a vida de uma criança corre risco se mantida a gravidez. Não podemos admitir nenhum retrocesso nos direitos das meninas e mulheres!”, pontuou.