O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou novas inconsistências nas contas do Sistema S, que está na mira da equipe econômica de Jair Bolsonaro. A auditoria, ainda preliminar, indica divergências nas informações financeiras e falta de transparência na aplicação dos recursos administrados pelas entidades, que são mantidas com contribuições de empresas.
O relatório de 166 páginas, ao qual o jornal O Estado de São Paulo teve acesso, indica que as nove instituições que integram o Sistema S (entre elas Sesi, Senai, Sesc e Sebrae) arrecadaram R$ 43 bilhões entre 2015 e 2016 – período em que os dados foram analisados. Esse valor é obtido por meio de contribuições que as empresas pagam sobre a folha de pagamento. Os recursos são repassados pela Receita Federal, mas também podem ser cobrados pelas entidades diretamente das empresas, o que também é permitido.
Segundo o TCU, as entidades “não estão registrando adequadamente suas disponibilidades financeiras” e algumas informações prestadas “são meramente declaratórias”. Uma boa parte das demonstrações contábeis, diz o relatório, não é certificada por auditoria interna ou externa. E até 90% dos contratos com fornecedores não passam por licitação. “Mesmo não havendo essa obrigatoriedade, as entidades do Sistema S prestam serviços sociais e deveriam ter a mesma governança de órgãos públicos”, defende Saul Tourinho Leal, advogado da Ayres Britto.
O secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Carlos Alexandre Da Costa, diz que o novo governo está disposto a abrir a “caixa-preta” do Sistema S. “A transparência das informações das entidades é mínima”, diz.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou, em dezembro, a uma plateia de empresários, que é preciso “meter a faca no Sistema S” e já determinou que sua equipe estude uma redução nos repasses.
A auditoria feita pelo TCU foi solicitada em 2017 pelo senador Ataídes de Oliveira (PSDB-TO), presidente da Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização, Controle e Defesa do Consumidor do Senado. “Ninguém até hoje teve coragem de mexer nesse vespeiro”, diz Oliveira, cujo mandato termina no fim do mês.
Procuradas, as entidades afirmaram que prestaram todos os esclarecimentos solicitados pelo TCU e que prezam pela transparência.
Pronto desde junho passado, o relatório ainda não foi apreciado pelo plenário do TCU, que aguarda os órgãos centrais do Sistema S se manifestarem.
Criado nos anos 40, o Sistema S é um conjunto de organizações corporativas voltadas ao treinamento profissional, assistência social, consultoria, pesquisa, assistência técnica e lazer.
Sistema S acumula R$ 23 bi em imóveis
Dono de um patrimônio bilionário, o Sistema S, formado por um grupo de entidades da indústria, comércio, agronegócio e transporte, tem R$ 23 bilhões em imóveis. São 2.805 propriedades espalhadas por todo o País, das quais cerca de 490 são usadas para finalidades que não estão ligadas às atividades do Sistema S, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU). Há imóveis abandonados e um deles foi invadido.
Outra questão refere-se à remuneração dos empregados. Há indícios de que os salários no Sistema S estejam acima daqueles pagos pelo mercado. Em 2016, as entidades empregavam 108 mil funcionários, dos quais 40% recebiam mais do que a média do mercado. O salário médio mensal variava de R$ 3,5 mil a R$ 15,5 mil, dependendo da entidade.
Para fazer o comparativo, o TCU utilizou dados do Ministério do Trabalho. Das nove entidades e duas agências de fomento que compõem o sistema, a maior empregadora era o Sesi, com 28,4 mil funcionários e salário médio de R$ 3,8 mil por mês, seguido pelo Sesc, com 24,4 mil funcionários que recebiam, em média, R$ 3,9 mil.
Excelência
Para o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, “parte da montanha de dinheiro que o Sistema S recebe é muito bem aplicada, mas falta transparência, principalmente na sua gestão.” Mendonça de Barros cita como “louvável”, por exemplo, o trabalho de formação desenvolvido pelo Senai e seus laboratórios, “que estão entre os mais avançados no País”.
Em 2017, o Senai efetuou 2,3 milhões de matrículas em educação profissional e o Sesi computou 1,187 milhão de matrículas em educação básica, continuada e em ações educativas.
O QUE FAZEM AS ENTIDADES
Sesi: Vinculado à indústria, oferece cursos de educação básica, cultura, lazer e esporte
Senai: Vinculado à indústria, oferece cursos profissionalizantes e assessoria técnica
Sesc: Vinculado ao comércio, oferece cultura, lazer e esporte
Senac: Vinculado ao comércio, oferece cursos
Sebrae: Vinculado às micro e pequenas empresas, oferece cursos e apoio para acesso a crédito
Senar: Vinculado ao agronegócio, oferece cursos para trabalhadores rurais
Sescoop: Vinculado às cooperativas, oferece cursos e assessorias
Sest: Vinculado ao setor dos transportes, oferece cultura, lazer e esporte
Senat: Vinculado ao setor dos transportes, oferece cursos
Instituições do Sistema S reafirmam transparência
As entidades do Sistema S afirmaram que prestaram todos os esclarecimentos solicitados pelo TCU e que prezam pela transparência de suas ações.
Sesi e Senai, ligados à Confederação Nacional da Indústria (CNI), disseram que o relatório do órgão, aliás, destaca a “excelente estruturação da apresentação” de seus dados. E que os salários pagos são compatíveis com os praticados pelo mercado, informação também repetida pelas demais entidades.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC), à qual Sesc e Senac são ligados, reafirmou que a transparência é uma das bases da atuação das duas entidades. Em 2018, o Sesc efetuou 5,87 milhões de matrículas e o Senac atendeu 1,96 milhão de pessoas.
A Confederação Nacional do Transporte (CNT) disse que Sest e Senat enviaram respostas ao TCU mas, até o momento, não foram notificadas sobre o relatório final. O presidente da CNT, Clésio Andrade, ressaltou que cortes na arrecadação vão prejudicar todos os atendidos pelas entidades. “O governo deveria chamar as confederações e abrir um diálogo.”
O Sebrae disse que se sujeita à fiscalização da Controladoria Geral da União (CGU) e do TCU e sua prestação de contas é feita por meio do Relatório de Gestão. Em 2017, atendeu 9,9 milhões de pessoas e forneceu 5,2 milhões de orientações técnicas e 1 milhão de cursos.
Márcio de Freitas, da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) e do Sescoop, disse que a entidade tem auditoria externa. Desde sua fundação, ofereceu cursos para 400 mil funcionários e 14,4 milhões de cooperados. O Senar afirmou que não teve acesso ao relatório e que, em 27 anos, atendeu gratuitamente mais de 76 milhões de pequenos produtores e trabalhadores rurais.
A ABDI informou que, nos últimos dois anos e meio, foi a entidade que mais reduziu custos e otimizou gastos e é reconhecida pelo TCU por estes avanços. Segundo a Apex, todos os seus dados são publicados na internet e possui auditoria independente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.