Uma auditoria interna da Organização das Nações Unidas (ONU) revelou falhas nos trabalhos de sua própria agência de refugiados no Brasil. Auditores questionaram custos de viagens, gastos com colchões e o fato de que mais de R$ 1,5 milhão em contratos foram concedidos sem licitações adequadas. Eles pediram que a agência no Brasil “fortalecesse o controle sobre seus programas”, conduzindo avaliações, completando estratégias e realizando monitoramento sobre essas intervenções. Em meio às falhas identificadas, não foi contatado desvio de dinheiro ou corrupção.
A auditoria examinou os trabalhos do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) no Brasil entre 1 de janeiro de 2016 e 30 de setembro de 2017, incluindo os escritórios em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, além dos trabalhos na fronteira norte do País. Ela tinha como objetivo avaliar se a agência estava administrando a entrega de serviços a pessoas necessitadas de uma maneira eficiente e cumprindo as regras da entidade.
Com 17 funcionários, os gastos do Acnur no Brasil em 2016 somaram US$ 2,7 milhões, enquanto em 2017, o total chegou a US$ 3,1 milhões até setembro. Um dos principais pontos examinados pelos auditores foi o uso de recursos para atender aos estrangeiros. Entre janeiro de 2016 e setembro de 2017, a representação do Acnur no Brasil emitiu 48 ordens de compra de bens e serviços, totalizando US$ 1 milhão.
A auditoria também descobriu discrepâncias e falhas na contabilidade. A agência no Brasil gastou, segundo o exame, US$ 100,3 mil “em custos de serviços de viagem e US$ 22,5 mil em serviços de consultoria”. “Da mesma forma, a representação gastou US$ 38 mil na compra de colchões, contra um orçamento de US$ 14,3 mil, sem uma explicação”, indicou.
Segundo a auditoria, em sete licitações, envolvendo um total de US$ 479 mil, a representação não convidou um número mínimo exigido de participantes para garantir a concorrência. Já em casos envolvendo licitações no valor de US$ 520 mil, a representação não obteve as autorizações requeridas dos comitês de contratos.
A falta de controle sobre os programas da entidade também foi destacado. Entre 2016 e 2017, cerca de US$ 660 mil foram enviados para programas que pudessem ajudar refugiados no Brasil (busca de emprego, aulas de português, validação de diplomas e outros). De acordo com a auditoria, a agência não estabeleceu estratégias para que os assistidos pelo programa pudessem se tornar autônomos e não dependessem mais de ajuda.
Outro problema era o fato de que o funcionário que entrevistava os refugiados que era o mesmo que aprovava os pagamentos. Pelas regras, essas funções deveriam ser realizadas por duas pessoas diferentes para evitar conflitos de interesse.
“A representação, apesar de priorizar esse setor em sua estratégia de proteção, não garantiu monitoramento suficiente sobre os programas”, indicou a auditoria. “Consequentemente, ela foi exposta ao risco de não atingir os resultados desejados nos programas, resultando em pessoas necessitadas continuando dependentes de ajuda humanitária por um período longo”, alertou o documento.
Entre as recomendações, a auditoria pedia que a agência no Brasil “fortalecesse o controle sobre seus programas”, conduzindo avaliações, completando estratégias e realizando monitoramento sobre essas intervenções. A agência da ONU aceitou a recomendação e indicou que iniciou pesquisas sobre o perfil socioeconômico dos refugiados no Brasil, além de examinar os programas e completar as estratégias. A auditoria considerou as iniciativas como satisfatórias.
Outro lado. No documento, a auditoria aponta que a representação do Acnur no Brasil adotou medidas para lidar com as “deficiência de controle” identificadas pelo exame, além de iniciativas para fortalecer o plano de emergência, o sistema de compras e a proteção do processo de concorrência.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, o Acnur indicou que a recomendação feita pela auditoria foi implementada e que o exame do trabalho do escritório foi solicitado pela própria agência da ONU. Quanto às falhas na licitação, os problemas identificados foram corrigidos ainda durante o período de avaliação dos auditores.
“Nosso escritório no Brasil tomou ações rápidas para lidar com as deficiências identificadas pelos auditores”, apontou a agência, em um comunicado. No que se refere às licitações, o Acnur indica que o escritório no Brasil “reconheceu que, por falta temporária de funcionários, alguns procedimentos de compras não foram plenamente respeitados”. Mas também insistiu que medidas foram tomadas para corrigir a situação. Isso incluiu atualizar os planos de licitação e obter as aprovações que faltavam dos órgãos de controle, tanto no Brasil como em Genebra.
O Acnur também lembrou que, no período coberto pela auditoria, houve um aumento no número de refugiados venezuelanos, levando a organização a ter de ampliar sua resposta humanitária no Brasil para ajudar o governo. Um escritório teve de ser aberto em Boa Vista e duas unidades em Pacaraima e Manaus.