O médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, foi considerado foragido pelo Ministério Público e pela Justiça e teve seu nome incluído na lista de procurados da Interpol. O prazo para que ele se entregasse terminou às 14h de ontem. Acusado de abuso sexual, o líder religioso não é visto publicamente desde a última Quarta-feira, 12. A expectativa é que ele se entregue hoje em Goiás. O Estado apurou que a data foi definida numa negociação entre a polícia e a defesa do médium. Amanhã será apresentado um pedido de habeas corpus.
Integrantes do grupo destacado para fazer a investigação e as negociações ainda colocam em dúvida se o acerto será cumprido. Para eles, a defesa do acusado deverá aguardar o resultado do pedido de habeas corpus (HC). Se a medida for concedida antes de ele se apresentar, seria possível evitar um desgaste maior para o médium, que atrai anualmente para a cidade goiana de Abadiânia 120 mil fiéis – 40% deles estrangeiros. O advogado de defesa Alberto Zacharias Toron afirmou, porém, que seu cliente vai se entregar antes da apresentação do HC.
Uma vez preso, João de Deus seria levado para Goiânia, onde deve acontecer o interrogatório. “Será longo, detalhado. Há um grande número de relatos e informações que precisam ser questionadas”, afirmou o delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes de Almeida. O MP de Goiás também investiga eventual movimentação suspeita de recursos financeiros, como transferência de dinheiro das contas de João de Deus. Transações financeiras desse tipo poderiam indicar intenção de ocultar valores e reduzir as chances de pagamento de indenização às vítimas. Segundo o jornal O Globo, João de Deus retirou R$ 35 milhões após as primeiras denúncias.
Estratégias
A expectativa é que a defesa explore o que Toron classifica como “pequeno número de depoimentos” usados pela Justiça para fundamentar a decretação da prisão preventiva, o que poderia indicar fragilidade de provas.
Há a possibilidade, ainda, de que a espiritualidade atribuída a João de Deus seja usada na argumentação. Para a defesa, a intolerância religiosa poderia incentivar um grande número de denúncias, muitas das quais ainda não foram formalizadas.
A tendência é que os advogados procurem mostrar o médium como um homem rústico, simples, de personalidade multifacetada e que, muitas vezes, seria orientado por recomendações de guias espirituais. Em suma, viveria com uma lógica pouco convencional.
O momento em que o País vive também deverá ser incluído. Para advogados, depois de quatro anos de operação que trouxe denúncias contra uma série de pessoas públicas, e de um crime contra um candidato à Presidência, haveria um clima mais favorável ao que eles chamam de tendência ao “denuncismo” e à “polarização”.
Denúncias
O líder espiritual é suspeito de ter abusado sexualmente de mulheres durante consultas particulares realizadas no centro onde presta atendimento espiritual, a Casa Dom Inácio de Loyola em Abadiânia, no interior de Goiás. Em sua aparição nesse local na quarta-feira, 12, fez um rápido pronunciamento em que se declarou inocente e disse que está à disposição da Justiça.
A força-tarefa do Ministério Público encarregada de investigar os casos já coletou mais de 330 depoimentos em vários Estados e 6 países. Do total, 30 mulheres já formalizaram as acusações. Elas relatam que, depois do atendimento em grupo, eram convidadas para uma consulta individual, onde os abusos seriam cometidos. O MP afirma ainda que quatro funcionários são suspeitos de ter envolvimento nos crimes.
Clima de tensão
Esperada pela população carente de Abadiânia, a festa de entrega de presentes de Natal tradicionalmente promovida por João de Deus foi feita ontem sob clima de tensão e alegria protocolar. Horas antes de o médium ser considerado foragido da polícia e procurado pela Interpol, sua mulher Ana Keila Teixeira pedia preces para o marido e alegria no coração. “Apesar das turbulências, peço que todos continuem rezando para que a verdade prevaleça”, disse.
Tendas foram montadas em frente da casa de João de Deus, na cidade goiana. Ali foram dispostos brinquedos que atraíram cerca de 200 crianças. Adultos ficaram na fila, aguardando a distribuição de bolas e bonecas para seus filhos.
Em anos anteriores, muitas vezes era o próprio João de Deus que se vestia de Papai Noel e fazia a entrega. Desta vez, ele foi lembrado pela mulher no discurso e também nas camisetas usadas por pessoas da organização. A veste branca trazia um retrato do médium, de braços abertos, com um gorro de Papai Noel, e os dizeres: “Obrigado João de Deus.”
Não havia na festa um número significativo de voluntários que atendem em seu centro. Os “filhos de Abadiânia”, como são conhecidos os habitantes que nasceram e cresceram na cidade, eram a maior parte dos frequentadores. Adultos procuravam ficar em silêncio e fugiam de perguntas sobre a prisão preventiva, num sinal de respeito. A festa, ao contrário do que ocorreu em outros anos, acabou cedo. Às 14h, brinquedos haviam sido desmontados e pouco depois, a rua era lavada.
Dividida
Abadiânia é dividia pela BR-60. Na parte onde ocorreu a festa, a dos “filhos de Abadiânia”, a expectativa é que as denúncias contra João de Deus não provoquem grande impacto. “Aqui o comércio não depende dele. Não vai ficar nem melhor, nem pior”, disse um morador que não quis se identificar. Depois que as denúncias de abuso sexual vieram à tona, na semana passada, o receio de ser identificado aumentou. A figura de João de Deus provoca não apenas adoração, mas temor – sobretudo entre os mais pobres.
A apreensão é evidente na parte oposta da cidade, onde pousadas e lojas floresceram com o turismo movimentado pela Casa Dom Inácio de Loyola. Anualmente, cerca de 120 mil pessoas visitavam o local em busca de tratamento com o médium. O receio é que o turismo religioso caia e leve junto seus empregos e a renda. Nesta semana, a primeira depois de o escândalo surgir, o movimento já foi abalado. Várias reservas de hotéis foram canceladas e o número de ônibus com fiéis se reduziu. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.