Passados 50 anos do nascimento do primeiro ser humano gerado por fertilização in vitro, na Inglaterra, cientistas querem fazer o mesmo pelos corais-cérebro no Brasil.
O primeiro passo foi dado no início deste mês. Uma equipe do Projeto Coral Vivo passou sete dias no litoral de Porto Seguro, no sul da Bahia, coletando gametas (óvulos e espermatozoides) de duas espécies de coral-cérebro que só existem na costa brasileira: Mussismilia hispida e Mussismilia harttii.
É a primeira vez que esse tipo de coleta é feito no Brasil. O objetivo é entender melhor a biologia reprodutiva dessas espécies e desenvolver um método de reprodução in vitro, que possa ser usado para repovoar recifes degradados com larvas de coral saudáveis.
O desafio é semelhante ao que médicos e biólogos enfrentaram nas décadas de 1960 e 1970, estudando óvulos e espermatozoides humanos para desenvolver a técnica de fertilização in vitro (FIV) e gerar o primeiro bebê de proveta – a britânica Louise Brown, nascida em 25 de julho de 1978. “Não conhecemos quase nada sobre a biologia desses gametas”, diz o coordenador do projeto, Leandro Godoy, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador associado do Coral Vivo.
Os cientistas sabem que os óvulos e espermatozoides são gerados dentro dos pólipos de coral e liberados em uma bola de muco, chamada “pacote”. “Mas o que acontece depois disso, não sabemos com certeza”, explica Godoy, um especialista em criopreservação (congelamento) de gametas e embriões de organismos aquáticos.
Quanto tempo os gametas sobrevivem no ambiente? Como o espermatozoide penetra no óvulo? Quais são as condições ambientais ideais para que a fecundação aconteça? Como se dá o desenvolvimento embrionário e a fixação das larvas no recife para formar novas colônias? São algumas das perguntas que os cientistas querem responder. E a matéria-prima para chegar às respostas são os próprios gametas.
As datas escolhidas para o trabalho não foram ao acaso. Os pesquisadores sabem que essas espécies costumam desovar entre os meses de setembro e novembro, e sempre em períodos de lua nova, quando a maré atinge os níveis mais baixos.
A coleta do material foi feita na base do Projeto Coral Vivo em Arraial dAjuda (um distrito de Porto Seguro), entre 3 e 10 de outubro. Quarenta colônias de cada espécie foram coletadas no Parque Marinho do Recife de Fora, a 10 quilômetros da costa, e colocados em tanques de água marinha.
Com a aproximação da lua nova, no dia 9, as colônias começaram a desovar. Os cientistas coletaram os pacotes, separaram os gametas, fizeram experimentos com as células “frescas” e congelaram o restante.
Banco genético. A esperança é de que bancos de células como esse possam ser usados para produzir larvas de coral in vitro. Essas larvas “de proveta”, então, seriam usadas para “semear” os recifes com novos pólipos de coral, caso necessário.
“É como se fosse uma arca de Noé congelada”, diz Godoy, lembrando que os recifes de coral estão fortemente ameaçados no mundo todo – inclusive dentro de áreas marinhas protegidas, por causa das mudanças climáticas.
Um dado importante que os cientistas já descobriram é que o espermatozoide do Mussismilia hispida pode viver até 18 horas na água do mar. “Imagine a distância que essas células podem percorrer nesse tempo”, diz Godoy. Possivelmente centenas de quilômetros, dependo das correntes e da maré. Os corais usados no estudo serão devolvidos ao recife. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.