Discutidos nos governos de Gilberto Kassab (PSD) e Fernando Haddad (PT), a isenção de cobrança e o desconto de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de proprietários de bens tombados voltaram à pauta da Prefeitura de São Paulo na gestão Bruno Covas (PSDB) para este ano. Um projeto de lei a respeito está sendo elaborado.
“É uma medida que entendemos justa. E uma forma de iniciar uma política pública que olhe não apenas para o tombamento, mas para a preservação e para o restauro, que em geral são relegados a segundo plano”, diz o secretário de Cultura, André Sturm. A isenção deve ficar restrita à área central, em um perímetro ainda em estudo.
Nas demais regiões, haverá um desconto. Deve abarcar cerca de 60% dos mais de 3 mil imóveis tombados. Para tanto, o dono precisará comprovar anualmente que o bem está em boas condições. Ou seja, não valerá para os que ainda precisam passar por obras de recuperação.
A medida deve valer apenas para os imóveis efetivamente tombados, e não contemplará os que estão sujeito a restrições, como os localizados em bairros preservados, como Jardins e Pacaembu. Em paralelo, o secretário diz que serão revistas as atuais dimensões de áreas envoltórias (que estão ao redor). “Não faz sentido que todas sejam iguais, com o raio de 300 metros.”
Segundo Sturm, a proposta será mais simples do que a chamada lei das fachadas (12.350/97), que isenta de IPTU proprietários que restauram a área externa de imóveis. Ela permitiu, por exemplo, a recuperação do Edifício Alexandre Mackenzie, atual Shopping Light. “A lei foi pouco utilizada: alguns proprietários passaram a entender que o esforço de papelada não valia a pena.”
Em São Paulo, ficam isentos de IPTU centros culturais, agremiações esportivas e imóveis de aposentados com renda de até 5 salários mínimos, dentre outros. No caso de bens tombados, não há cobrança em outras capitais, como Rio, Belo Horizonte e Porto Alegre.
A medida é apoiada pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP), que mantém um termo de cooperação com a Secretaria de Cultura desde dezembro. “Em termos monetários é muito pequeno o que a Prefeitura perde de IPTU. Estando ativos, esses imóveis serão colocados comercialmente e vão atrair recolhimento de impostos”, garante Antonio Carlos Pela, coordenador do Conselho de Política Urbana da ACSP.
Influência do custo
A medida era cogitada quando Nadia Somekh foi presidente do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) e diretora do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), entre 2013 e 2016, mas não foi adiante – pois haveria um custo estimado de R$ 80 milhões. “É um reconhecimento mínimo do poder público. A conservação e a manutenção requerem muitos recursos de restauro e conservação”, diz Nadia.
Além de imóveis, a secretaria municipal pretende agora inventariar o patrimônio imaterial da cidade, o que hoje ocorre principalmente por sugestão de cidadãos e vereadores – como Mário de Andrade fez há exatamente 80 anos por todo o Brasil. “Está mais do que no momento de retomarmos esse olhar, valorizando a cultura imaterial paulistana”, comenta Sturm.
As mudanças abrangem, ainda, as novas diretrizes de trabalho do DPH, anunciadas neste mês, que incluem a determinação do prazo de quatro meses para a análise técnica de obras de restauro. Além disso, impõem mais exigências para o pedido de tombamento, que incluem, dentre outros dados, uma pesquisa bibliográfica assinada por especialista e relatório fotográfico histórico e do estado atual.
‘Tomba e seja o que Deus quiser’
Em 2015, a historiadora Rosa Artigas aproveitou as celebrações do centenário de nascimento do pai, João Batista Vilanova Artigas, para lançar um abaixo-assinado que reivindicava a isenção do IPTU para todos os imóveis tombados da cidade, reunindo 1.673 assinaturas. Ela é proprietária da Casinha e da Casa Vilanova Artigas, dois dos projetos mais conhecidos do pai, no Campo Belo, bairro da zona sul da capital paulista. Pelo espaço, afirma pagar quase R$ 39 mil de IPTU anualmente.
“O cálculo é que o imóvel tenha um valor de mercado, como se estivesse reservando terra para um prédio de 40 andares. Só que não posso construir ali, porque a casa é integralmente tombada”, aponta ela. “Tenho uma obrigação de manter, e não tenho nenhum tipo de incentivo para a manutenção.”
Embora tenha sido favorável ao congelamento, Rosa critica a demora na aprovação de intervenções e a falta de incentivos. “O processo se encerra no tombamento e, dali para frente, seja o que Deus quiser”, diz.
Incêndio
No casarão do Cama & Café, no centro, por sua vez, foram necessários 14 meses de obras para reverter as consequências de um incêndio, um desabamento e a falta de manutenção. O imóvel é do século 19 e foi tombado com o Pátio do Colégio, em 2015. Hoje, três anos depois, o lugar funciona como um espaço cultural e gastronômico, pois o dono considera que a região não tem segurança para ser uma pousada, como foi inicialmente idealizado. Para o proprietário, Luiz Antônio Pereira Santos, a isenção dos R$ 7 mil de IPTU seria um auxílio para “ajudar a resgatar parte da história de São Paulo”.
‘Banco de dados dos imóveis’
Presidente do Conpresp desde março de 2017, o engenheiro civil Cyro Laurenza observa que “não está ainda bem disseminado no Estado e na vida cultural dos nossos cidadãos a preocupação com o pós-tombamento e a valorização do imóvel tombado”. Em entrevista ao Estado, ele destaca a montagem pelo Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) de um banco de dados sobre o patrimônio paulistano. E defende o prazo legal de dois anos para as análises de tombamento.
Quando se fala de tombamento em São Paulo, é muito comum dizer que ele “engessa” o imóvel, desvaloriza o bem, que é quase um “castigo” para o proprietário. O senhor concorda?
Em relação aos imóveis privados, há sim (engessamento), trazendo aos proprietários custos elevados para manter as suas características. Em determinados casos passa a existir possibilidade do “ônus”, em função das necessidades de seus proprietários, da situação financeira de cada família. Surgem duas posições: de um lado, a do orgulho de ter a propriedade; e de outro lado, a dificuldade de mantê-la. E ainda, neste último caso, é comum os imóveis estarem em profunda decadência, necessitando de restauração em diversos níveis.
Em teoria, o tombamento significa que o bem é de interesse público. Mas, na prática, o poder público dá algum suporte?
Não existem ainda condições culturais, em especial pelas razões econômicas que atravessamos, de oferecer soluções para um sistema de preservação: não está ainda bem disseminado no Estado e na vida cultural dos nossos cidadãos a preocupação com o pós-tombamento e a valorização do imóvel tombado. Incentivos são importantes e essenciais para uma preservação efetiva. Existe hoje o instrumento do TDC (Transferência do Direito de Construir), que vem viabilizando o restauro de vários edifícios tombados de grande porte. Outra ação já iniciada trata do apoio técnico aos proprietários por técnicos do DPH, que pode e deve ser ampliado por intermédio de parcerias com universidades ou instituições.
Recentemente, o Conpresp teve maratona de tombamentos…
Nossa intenção – e o DPH está trabalhando nesse sentido – é continuar com o prazo estipulado na lei de 2016, que é de dois anos de análise, a partir da data de abertura do processo de tombamento.
São Paulo tem mais de 3 mil bens tombados. Esse número é alto ou baixo?
É muito difícil essa avaliação. Pessoalmente penso que é muito (tombamento), mas qual a realidade, do quê, como, o que foi tombado? Não sei. Estamos tentando fazer esse levantamento fotográfico, exames visuais, verificação da existência. São mais de 3 mil relatórios elaborados pelos três órgãos (Conpresp, o estadual Condephaat e o federal Iphan). O DPH, em um esforço muito grande, está montando um banco de dados qualificado dos imóveis tombados.
As novas diretrizes para o pedido de tombamento em São Paulo pedem parecer técnico e levantamento fotográfico, dentre outros esforços de pesquisa. Essa medida não vai dificultar a abertura de pedidos, principalmente nos bairros de menor renda?
Essas medidas são importantes para as pessoas também entenderem o que está por trás de um pedido de tombamento. Não adianta apenas o prédio ser antigo ou bonito. É preciso haver a consciência do que aquele prédio representa. Isso também evitará pedidos de tombamentos que são feitos por motivos outros que não os da preservação cultural, como disputas locais ou do mercado imobiliário.
Neste ano foi muito questionada a decisão de recuar no tombamento do salão do Clube Pinheiros, na zona oeste. Uma mudança de opinião em um intervalo de três meses não demonstra que há pouco tempo/espaço para discussão das decisões?
É importante esclarecer um fato: não houve “voltar atrás”. O processo de tombamento tem como etapa prevista em lei o pedido de reconsideração. Os dados técnicos desenvolvidos no processo elaborado por alguns anos não correspondiam à real condição de existência do imóvel como concebido. Visitei, então, o clube para conhecer o que restava da obra que conheci há 50 anos e nunca mais tinha visitado. Verifiquei que a abertura da Avenida Faria Lima tinha destruído a excelente concepção arquitetônica daquela época. Convidei os conselheiros a uma visita, em acordo com a diretoria do clube. Em nova reunião, reverteu-se a decisão. É muito simples corrigir com integridade e informações precisas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.