Em uma breve viagem ao passado de Goiás, podemos encontrar um dos maiores nomes que já deu vida à cidade: Cora Coralina. E quando falamos em dar vida à essas terras, é algo quase literal, uma vez que a poetisa se estabeleceu por aqui e fazia de sua morada, fonte de inspiração para seus escritos.
Nascida em 20 de agosto de 1889, com o nome de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, foi até certo ponto, uma simples doceira que viveu afastada dos grandes centros urbanos e que não conhecia os modismos literários da época. Filha de Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto, que foi um desembargador nomeado pelo próprio D. Pedro II, e de Jacyntha Luiza do Couto Brandão, nasceu às margens do Rio Vermelho, e também foi ali que se deu sua criação.
Os primeiros poemas de Cora Coralina
Cora Coralina sempre se mostrou um verdadeiro prodígio, embora não tivesse esse reconhecimento inicial. Seus primeiros poemas foram escritos quando ainda tinha 14 anos de idade e chegou a publicar alguns pelos jornais da cidade. Com a ajuda de amigas, criou o jornal de poemas intitulado “A Rosa”, em 1908.
Já no ano de 1910, o “Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás” publicou seu conto “Tragédia na Roça”, onde já aparecia o pseudônimo Cora Coralina, que passou a ser adotado por ela. Embora parecesse que sua carreira literária começava a engrenar, um fato acabou chocando não apenas seus pais, mas também todos da Cidade de Goiás que a conheciam.
Em 1911, fugiu com o advogado Cantídio Tolentino Bretas, que era um homem bem mais velho e divorciado. Foram morar em uma pequena cidade do interior de São Paulo, conhecida como Avaré. Durante esse período tempestuoso, sua produção literária sofreu um grande hiato, no entanto, algumas histórias que remontam a época dizem que Cora nunca parou de escrever.
Ela apenas mantinha seu amor pela poesia em segredo, mas supostamente, alguns de seus escritos ainda circularam pela região e ocasionaram em um convite para participar da Semana de Arte Moderna, que ocorreu em 1922. Entretanto, o marido não teria permitido e ela permaneceu em seu solitário anonimato.
Sua história como doceira começou apenas em 1934, após a morte de Cantídio. Ela precisou vender doces para sustentar a casa e os quatro filhos, mas também gozou de sua liberdade para recomeçar a escrever seus livros, que posteriormente também se tornaram fonte de renda.
Segundo Marlene Velasco, diretora do Museu Casa de Cora: “Quando ela voltou à cidade de Goiás, em 1956, depois de passar 45 anos fora daqui, o que lhe deu sustento foi a produção de doces. Cora viveu disso por 15 anos“. De volta à terra natal, tomou posse da casa velha da ponte, após a morte de seus pais. Foi ali que se deu início a verdadeira construção de sua obra-prima.
Embora continuasse escrevendo poemas inspirados na própria história e nos ambientes onde fora criada, Cora Coralina se considerava mais doceira do que poetisa. Seus doces cristalizados de abóbora, cajú, laranja e figo, que sempre aguçavam o paladar de seus amigos e vizinhos, eram para ela, obras muito melhores que seus contos escritos em simples folhas de caderno. No entanto, podemos considerar que nem todos pensavam da mesma forma, felizmente!
Lançamento do primeiro livro
Cora Coralina alcançou o auge de sua carreira como escritora quando já tinha mais de 70 anos. Nessa idade, resolveu aprender datilografia na intenção de preparar suas poesias e entregá-las para editores. Foi apenas em 1965 que ela conseguiu realizar seu maior sonho: o de ter seu primeiro livro publicado. “O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais” é o nome de seu primogênito literário.
Cinco anos depois, tomou posse da cadeira nº 5 da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás. Seu segundo livro – Meu Livro de Cordel – foi lançado em 1976 e após cair nas graças de Carlos Drummond de Andrade, deixou de ser apenas um nome na poesia goiana para conquistar seu lugar entre os nomes mais importantes da literatura brasileira.
Sua obra foi reconhecida em seus últimos anos de vida, e ainda lhe rendeu prestigiosos prêmios. Cora foi convidada para participar de diversos programas de televisão e de conferências pelo país. Pelo livro “Vintém de Cobre: Meias Confissões de Aninha“, recebeu o “Prêmio Juca Pato”, concedido pela União Brasileira dos Escritores, como intelectual do ano de 1983. No ano seguinte foi nomeada para a Academia Goiana de Letras, onde ocupou a cadeira nº 38.
A poetisa faleceu em 1985, na cidade de Goiânia, aos 95 anos de idade. No entanto, a construção de sua vida inteira ainda permanece viva, seja na memória ou nas recordações físicas deixadas por ela. Além dos livros, ainda é possível apreciar o Museu Cora Coralina, que fica exatamente na casa onde a escritora viveu por tantos anos, e ainda preserva detalhes arquitetônicos dos séculos 18 e 19, sendo nomeado em 2002 como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, pela Unesco.
Obras de Cora Coralina
- Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, poesia, 1965
- Meu Livro de Cordel, poesia, 1976
- Vintém de Cobre: Meias Confissões de Aninha, poesia, 1983
- Estórias da Casa Velha da Ponte, contos, 1985
- Os Meninos Verdes, infantil, 1980
- Tesouro da Casa Velha, poesia, 1996 (obra póstuma)
- A Moeda de Ouro Que um Pato Engoliu, infantil, 1999 (obra póstuma)
- Vila Boa de Goiás, poesia, 2001 (obra póstuma)
- O Pato Azul-Pombinho, infantil, 2001 (obra póstuma)