Abandonado desde outubro de 2017, o prédio da Sociedade Habitacional Comunitária (SHB) atualmente serve apenas para velórios, diferentemente dos tempos áureos de quando foi inaugurado em 2002 para encontros do grupo político do ex-vereador de Goiânia, José Maurício Beraldo: ele usava o local para reuniões em que prometia e cobrava ilegalmente por moradias populares para as pessoas humildes de pelo menos sete bairros pobres da região norte da capital.
Além do abandono do prédio, tomado pelo mato e poeira nos cômodos fechados, uma frase escrita na parede chama a atenção: “Bem feito ladrão”. Instalado na rua Cida Silveira – via batizada em homenagem à mulher de Beraldo, Maria Aparecida da Silveira, a pixação tentou ser apagada por um dos interlocutores do ex-parlamentar após ele ter sido preso em outubro do ano passado acusado de estelionato. Ele já não era mais vereador. Perdeu as eleições que concorreu pelo PSDB (Partido Social da Democracia Brasileira) mesmo com 3.472 votos.
Beraldo poderia ter tido mais votos. Mas, conforme investigação do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), agiu criminosamente contra os próprios eleitores. Preso em outubro de 2017 sob acusação de prometer casas e entregar decepção para famílias, é visto em bairros percorridos pela reportagem do Portal Dia Online como “caloteiro”, “mentiroso” e “pilantra”. Durante pelo menos nove anos, o grupo aplicou golpes em quem via Beraldo como um homem que os tiraria da miséria.
Na última terça-feira (31/7), nove meses depois de o ex-vereador ter sido preso, o Ministério Público enviou ao Judiciário uma denúncia que sepultou a carreira política de Beraldo. Segundo o MP, Beraldo é articulador do grupo que enganava famílias que procuravam a casa própria.
Por isso, a reação dos ex-eleitores é de revolta: “Se esse político aparecer aqui a gente vai pegar ele”, ameaça um homem antes de entrar em um ônibus da linha 280, que passa em frente à sede SHB, endereço de promessas, ameaças e retaliações.
Bravo
“Quando a gente discordava dele, ah… ele ficava bravo, ameaçava, mudava aquele jeito doce que vinha falar com a gente quando pedia votos”, diz uma comerciante que conhece pelo menos oito pessoas que foram vítimas do esquema milionário do político.
Segundo a investigação do Ministério Público, 199 famílias foram identificadas por causa da movimentação financeira do grupo. Em dinheiro, pelo menos 1 milhão e 400 mil reais foram tomados de gente que tirou da boca dos filhos para tentar ganhar a casa própria. Além de Beraldo, outras dez pessoas agiram para enganar as vítimas que podem passar 1200 famílias espalhadas nos bairros João Paulo II, Vale dos Sonhos e região.
Além do próprio José Maurício Beraldo, que foi ex-presidente da SHC, a mulher dele e atual presidente da Sociedade, Maria Aparecida da Silveira, Emília Angelina de Jesus, tesoureira da SHC, Pedro Beserra da Cruz, assistente administrativo, Wender Mendes Araújo, Silas de Oliveira Almeida – ex-funcionário da Agehab e que agia na SHC -, Eduardo Luiz Moreira, Nilberto Moreira Lopes, André Luiz Alves de Carvalho, Alexandro Jacinto de Souza, Keslley Bernadino Avelar. Os nomes são conhecidos na região. Por trás deles, histórias curiosas e até assustadoras narradas por moradores que temem abrir a boca.
“Um bando de orelha seca”, define um pedreiro que nem olha ao repórter. “Não falamos neles aqui para jornalista.” O clima é de medo a poucas quadras do prédio erguido para desabar o sonho de homens e mulheres que venderam carros, motos, lotes, entregaram tudo o que tinham do Fundo de Garantia para a SHB. “Ele [Maurício Beraldo] até sofreu um atentado antes de ser preso”, contou o dono de um comércio empoeirado. “O povo aqui tem ódio dele”, termina, antes de apontar para uma casa de alvenaria sem reboco: “ali mora a mãe de uma vítima deles”.
Entenda
O esquema, conforme explicou os promotores em uma coletiva de imprensa, funcionava assim: o vereador, sua mulher [que ganhou nome de rua] e interlocutores ligados a ele, iam de casa em casa – ou a história de que o político daria casas se espalhava de boca em boca – e prometiam uma residências doadas pela Agência Goiana de Habitação (Agehab).
O grupo pedia para que as pessoas se associassem à SHB, que eram obrigadas a pagar taxas de manutenção da organização e, para garantirem o nome da lista quando saíssem as casas, pagariam quantias que variam entre 12 e 20 mil reais. Pagariam essa quantia para os estelionatários já que nenhuma quantia deve ser paga antes do financiamento firmado normalmente com a Caixa Econômica Federal. A investigação completa você confere aqui.
As casas seriam do setor João Paulo II. Mas apenas 440 casas foram entregues em dezembro de 2013. Mesmo com inúmeras irregularidades, a Agehab lançou a 2ª Etapa do João Paulo II, com previsão de construção de mais 230 casas, que ainda não ficaram prontas. Mesmo sem a conclusão desta 2ª Etapa, eles já vinham prometendo uma 3ª etapa que não existe.
Ou seja: muita gente caiu na lábia do político que gostava de esbanjar poder político na região, dizendo ter influência com o ex-governador Marconi Perillo, do mesmo partido. Não deu noutra: as reuniões na SHB eram lotadas. E muita gente pagava casas que não existiriam. A atuação na SHB iniciou, contudo, ainda em 22 de dezembro de 1996, depois de uma outra instituição comandada pelo José Maurício Beraldo ter se envolvendo em denúncias. Era a Cooperativa Habitacional Popular de Goiânia (Cohpog), com atuação desde 1993.
Ai de quem faltasse: perderia o nome na lista e, consequentemente, a casa. Aliás, alguma possibilidade de conseguir uma já que o bando do Beraldo prometia muito mais casas do que a Agehab construía. Muita gente nunca mais viu o dinheiro que depositou em contas da SHB e contas pessoais de integrantes do grupo.
Histórico
A prática é antiga. Desde 1997, segundo o MP, o grupo vinha agindo para benefício próprio. E isso criou um clima de animosidade ao nome de Beraldo na região. Em um comentário em sua página pessoal do Facebook, um eleitor se vinga ao saber que Beraldo não havia sido eleito: “Eu havia dito que você nunca mais ia ganhar mais nenhuma eleição”. Mesmo assim, a reportagem encontrou quem defendesse o político.
“Ele é o melhor pra nós. Deu uma casa pra minha filha”, acredita uma mulher. “Fizeram uma injustiça prendendo um bom de bem”, diz um homem que ganhou – e vendeu – uma casa.
Em apenas duas horas pela região, a reportagem encontrou oito pessoas que foram enganadas pelo político. Apenas cinco haviam ido depor ao Ministério Público e podem, não se sabe quando, conseguir uma casa. É que agora o Ministério Público estuda, junto com a Agehab, colocar as vítimas lesadas pelo bando do ex-vereador nos próximos conjuntos habitacionais que surgirem.
Enquanto isso, Jéssica (nome fictício) tenta superar a decepção com remédios antidepressivos. “Peguei tudo que eu tinha e depositei na conta da Cida [Maria Aparecida, mulher do ex-vereador.” Ela responde rapidamente algumas perguntas do outro lado das grades da casa que aluga no Guanabara II. “Eles acabaram com o meu sonho. Dei tudo o que eu tinha. Nem esperança de procurar o Ministério Público eu tenho mais”, conta ela.
Sem se identificar, vestida com o uniforme da empresa de Serviços Gerais que presta serviços ao Ministério Público goiano, uma mulher contou que o ex-vereador Maurício Beraldo a influência polícia na Agehab para fomentar o sonho dela e de várias pessoas do Jardim Guanabara, um bairro pobre de Goiânia. “Na época da política, ele andava pelo bairro prometendo casas. E a gente ia lá, parecendo bobo votar nele.”