Jordane Marinho Souza Santos, de 28 anos, não sabia que tinha 100 mil reais para receber de uma apólice de seguro depois de um acidente que o transformou em um homem cabisbaixo. Sem o movimento do braço esquerdo, com salário que recebia do Segurado DPVAT desde o acidente em dezembro de 2009, foi ao banco levando uma pasta plástica.
Dentro dela, exames, laudos e documentos da empresa que poderiam melhor um pouco a vida de sua família. Mas Jordane voltou para casa arrasado. Os meses no hospital e, principalmente, a desinformação na empresa em que trabalhava, o fizeram perder tempo e o dinheiro a que tinha direito. O banco seguiu a risca o prazo de 12 meses para o saque da apólice. A mesma moça que negou o saque deu a ideia de Jordane procurar um advogado.
Caminhando de volta para casa, ele viu na porta entreaberta de um escritório de advocacia na Cidade Jardim a única chance de voltar a sorrir. Entrou no escritório com a cabeça baixa e foi recebido com entusiasmo pelo advogado Alex Fernandes Moreira, com sotaque paulista. Jordane deixou documentos e, sobretudo, a confiança em Alex.
Enquanto a lentidão da Justiça ia deixando a vida de Jordane ainda mais infeliz e difícil, o nome do advogado Alex Fernandes foi notícia nos principais jornais de Goiás. Ele foi preso em flagrante com um celular e um notebook roubados em 18 de abril de 2012.
No momento da prisão, Alex tentava desbloquear os equipamentos em Goiânia. Pagou fiança e desapareceu da Cidade Jardim. Ainda não havia tido respostas do processo da apólice. Jordane ficou aguardando.
O processo ainda não havia tido respostas quando o advogado vai preso pela segunda vez. Desta vez, em junho de 2015, suspeito de fraudar saques de precatórios em Aparecida de Goiânia. Com ele, uma idosa e outros dois homens usavam documentos falsos em nome de pessoas mortas para aplicar o golpe.
Segundo investigações da Polícia Civil, uma semana antes da prisão, o advogado e a idosa tinham ido a uma agência bancária de Aparecida para aplicar o golpe, mas não conseguiram.
A dupla tentou resgatar R$ 29 mil. Com o bando, comandando pelo advogado, a polícia encontrou identidades e comprovantes de endereços falsos. Na época, a delegada responsável pela prisão, Mayana Rezende, contou que no começo de 2015 o advogado conseguiu aplicar o golpe em duas pessoas, que foram lesadas em R$ 66 mil.
Alex, que já respondia por receptação, estelionato e apropriação indébita, continuou livre.
O sumiço
Seis anos depois de assinar documentos, participar de duas audiências, Jordane não havia recebido nenhum centavo. Nenhum posicionamento do advogado. Desconfiado com as respostas evasivas, das ligações não atendidas e do sumiço do Alex, Jordane procurou o advogado Maurício Santana Correa. Quando pesquisou o número do processo, Maurício se surpreendeu: a Justiça havia determinado, num acordo suspeito em 5 de julho de 2016, que a seguradora depositasse R$33 mil na conta do então advogado.
O acordo foi assinado e, mesmo sem ter sido avisado, uma rubrica de Jordane aparece no documento. “É falsa”, sustenta ele.
Quando solicitou documentos, o advogado Maurício e a vítima constataram o saque integral de um acordo feito sem a anuência de Jordane depois da, segundo ele, falsificação da assinatura. A partir dali, Alex se tornou inencontrável.
Um fantasma que oficial de justiça e nenhuma de suas vítimas conseguem encontrar em qualquer um dos endereços pelos quais passou em Goiânia. Ou em cidades de São Paulo ou Minas Gerais, onde ostenta a carteira das seccionais da OAB. Alex é um advogado nômade.
Jordane perdeu o salário do INSS e passou a receber meio salário de auxílio doença. O jeito foi arranjar um trabalho informal depois de um laudo constatar que ele estaria apto a trabalhar quando fez um curso profissionalizante ofertado pelo INSS. Passou a vender Sitpass em uma banquinha no Setor Bueno. “O pouco que ganho do auxílio e do trabalho consigo sustentar a família”, conta, desajeitado.
Em busca do advogado
Na Avenida Goiás, por onde o Portal Dia Online percorre durante uma manhã de segunda-feira, a fotografia do advogado sumido não é estranha aos compradores e vendedores de ouro, aos mototaxistas e donos de empoeiradas revistarias.
Espontaneamente, o nome de Alex Fernandes surge na boca de um homem que oferece cartõezinhos de um advogado qualquer em frente ao Instituto Nacional de Seguro Social, o INSS.
O atravessador indica, sem prestar muita atenção no rosto do repórter, para a sala do “advogado bom de serviço” que deve “acelerar o processo de aposentadoria” na Rua 3. Quando descobre que o rapaz, na verdade, se trata de um repórter que quer saber mais detalhes da atuação de Alex por ali, se irrita. Quer saber o que tem de filmagem no celular. Tenta tomar o aparelho.
Ele é o mesmo flagrado pela reportagem minutos antes se identificando como advogado, não se passando de um entregador de cartõezinhos. Com boa lábia, o homem leva idosos para salas com cheiro de barata nas ruas adjacentes à Avenida Goiás. Normalmente analfabetos, os idosos não costumam ler procurações que assinam e são presas fáceis para advogados picaretas.
A algumas quadras dali, uma mulher se lembra do advogado Alex Fernandes. “Faz tempo que não vemos ele por aqui”, murmura. Ela dá uma pista. Aponta para uma sala fechada, onde funcionou um dos escritórios do advogado, bem ao lado do INSS. Pelo menos um dos três que o advogado manteve no Centro.
Do outro lado da rua, na recepção do edifício São Judas Tadeu, na Avenida Goiás, outro endereço antigo do advogado sumido. “Esse advogado aí? Ah, tem muita gente que vem atrás dele aqui”, conta um homem vestido em um terno encardido, que tenta alugar uma das salas em um dos 17 andares do edifício.
Sem se despistar de um possível locatário, o homem sugere que o repórter vá falar com os mototaxistas. O mais velho do ponto chega e identifica o advogado pela fotografia. Apenas faz “sim” com a cabeça. Logo some pela Rua 2, carregando um moço atrasado para a faculdade.
Casamento, BMW e mansão
A saga do repórter não para por aí. Em uma semana, diversas ligações, levantamentos e pernadas a endereços em busca do advogado. Por fim, é possível afirmar que, ao mesmo tempo em que Jordane amargou a tristeza de não ter visto nada do acordo, o advogado Alex Fernandes ostentou uma vida de luxo.
Casou-se com a quarta mulher nas Salinas Maragogi, com uma das praias mais paradisíacas do Brasil, em Alagoas. Um casamento ali não fica barato, com diária em média de R$ 1 mil. Em viagens internacionais, publicou em sua conta no Instagram dinheiro vivo e comemorou a compra de uma BMW, um luxuoso carro que não custa menos que R$ 500 mil.
Protegido pelo status, nenhum porteiro do charmoso Edifício Máximo Independente, na Rua Coronel Ernesto Garcia, na Vila Maria José, recebe oficiais de Justiça com intimações ao Alex sob a justificativa de que o apartamento está alugado. O inquilino atendeu à ligação, mas preferiu ficar em silêncio. Um porteiro confirmou que o apartamento é do “doutor Alex, mas tem outra família morando lá”.
Conforme apurou o repórter, a Justiça ainda não soube que pode encontrar o advogado no Condomínio Jardins Verona, com mansões que podem custar até R$ 2 milhões. Pelas ruas de asfalto de primeiro mundo do Verona, o advogado, em bicicleta ou em sua BMW branca que chegou em um guincho no Jardins Verona, vislumbra as quadras de Tênis construídas em saibro, cercadas por alambrados e iluminadas.
Ele não deve se lembrar das consequências que causou ao moço pobre que o procurou em busca de ajuda quando vê jovens jogando futebol Society em um gramado esverdeado mais vistoso do que a grama dos estádios dos jogos da Copa na Rússia. Nem parece se preocupar com idas a restaurantes frequentados pela alta sociedade goianiense. Em um deles, no Setor Marista, a conta para ele e a esposa, em uma noite, não ficaria menos que R$ 500.
Punições
Conforme apurou o Portal Dia Online, por condutas suspeitas na prática da advocacia, o advogado sofreu algumas penalidade pelo Conselho de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO).
Alex Fernandes sofreu a chamada Pena de Censura, quando o advogado, por exemplo, faz captação de novos clientes por meio de publicidade – com aquela gente chata em frente ao INSS oferecendo cartõezinhos -, ou deixar de informar o insucesso de uma causa, recebendo honorários.
Ele ainda sofreu por três suspensões: a primeira por 60 dias, a segunda 90 dias e terceira 30 dias. Ou seja, caso a OAB-GO receba novas denúncias o advogado pode ser expulso da Ordem.
Enquanto a polícia não encontra o advogado, Jordane e seu novo advogado, esperam receber pelo menos o valor do saque do inencontrável Alex Fernandes Moreira.
“Esperamos encontrá-lo para notificar e penhorar os bens”, acredita o advogado Maurício Santana Correa. “Vamos acreditar”.
Durante dois dias, a reportagem ligou em dois números que conseguiu com amigos do advogado. Pelo menos 30 ligações não foram atendidas até o fechamento desta reportagem.
Assista entrevista completa do advogado: