Por Elaine Leme
Ta’ãngaa, em Guarani Mbya, significa imagem ou fotografia. Na cosmovisão Guarani, a ta’ãngaa não é apenas uma representação física da aparência de alguém ou algo — ela carrega também a presença espiritual, a energia vital e a memória ancestral de quem é retratado. Em outras palavras, uma imagem não é apenas um registro: é uma extensão da pessoa ou do espírito representado. Então, a representação dos artistas indígenas sobre as imagens. Esse é o conceito que dá nome à exposição que chega a São Paulo.
“Ta’ãngaa, os indígenas por eles mesmos” estreia na Galeria de Fotos do Centro Cultural Fiesp (CCF) nesta quarta-feira (14/5), apresentando obras inspiradas por temas como território, memória, ancestralidade, cotidiano e os impactos da colonização. A curadoria é assinada por Richard Wera Mirim, fotógrafo e comunicador indígena do povo Guarani Mbya, e por João Kulcsár, curador e professor visitante na Universidade de Harvard.
A mostra reúne obras de oito artistas indígenas, são eles: Moara Tupinambá, Edgar Kanaykõ Xakriabá, Richard Wera Mirim, Genilson Guajajara, Gê Viana, Kamikia Kisedje, Denilson Baniwa e Natalia Tupi, que discutem basicamente duas vertentes: uma da fotografia contemporânea que são mais fotocolagens, experimentações e a outra uma fotografia mais documental mais premente dos povos originários, que discute a principalmente a demarcação das terras indígenas.

A proposta da mostra é provocar reflexões sobre identidade, mostrar um pouco da luta e os modos de existência dos povos indígenas na atualidade. Segundo os curadores, as imagens revelam vivências pessoais e coletivas e se apresentam como expressão de luta, pertencimento e continuidade, elementos que ganham ainda mais potência quando os próprios indígenas ocupam o lugar de narradores de suas histórias.
A exposição provoca reflexões profundas sobre autoria e representação. Em conversa com o Aproveite a Cidade, os curadores e fotógrafos revelam como o processo de criação se articula com a luta por visibilidade e pertencimento. As falas reforçam o papel da imagem como instrumento de resistência e reexistência dos povos originários.
Curador da mostra e professor visitante em Harvard, João destaca a riqueza do processo colaborativo que deu origem à exposição.
“O processo de troca foi riquíssimo. Primeiro, na conversa com o Richard Wera Mirim, co-curador, foi essencial entender sua visão e perspectiva sobre o que seria essa exposição. Por exemplo, definimos juntos a identidade visual inspirada no povo Guarani e levamos ao designer. A segunda troca foi com os artistas: a escolha das imagens foi construída coletivamente, levando em conta o espaço, o suporte e, principalmente, a narrativa de cada ensaio”, afirma.
“Procuro sempre fazer uma curadoria participativa, em diálogo com os artistas. Dividimos a exposição em dois eixos — um mais experimental, com colagens e montagens, e outro mais documental, com registros que denunciam, preservam e reafirmam a força coletiva dos povos indígenas e sua conexão sagrada com o território”, conclui.
Fotógrafo e jovem comunicador indígena do povo Guarani Mbya, da Terra Indígena Jaraguá. Criador da Mídia Guarani Mbya, ele utiliza a imagem como ferramenta de resistência e afirmação cultural.
“A fotografia, pra nós, é como uma ferramenta de luta. Ela se transformou numa arma poderosa que nos permite mostrar quem somos, contar nossa história com nosso próprio olhar. É por meio das lentes que a gente quebra estereótipos e fortalece a cultura dos povos indígenas.”

Natural da Aldeia Piçarra Preta, terra indígena do Rio Pindaré, no Maranhão, é fotógrafo e formado em Cinema Indígena.
Em 2021, foi indicado ao Prêmio Pipa, uma das principais janelas para a arte contemporânea brasileira. Realizou sua primeira exposição em 2019, na Casa do Maranhão, com o tema A Festa da Menina Moça.
Genilson relembra que “a festa da menina moça é um ritual de passagem do povo Guajajara, no qual a moça entra na fase adulta juntamente com os rapazes. Esse ritual é sagrado. Os cantos e sons do maracá atraem os espíritos, que se fazem presentes em um espaço sagrado. A foto foi feita durante um ritual na aldeia Piçarra Preta”, resume.
Para ele, a fotografia “precisa que as pessoas se conectem com esse lugar. Mesmo que para alguns seja desconhecido, é importante despertar a curiosidade. Mais do que olhar, é preciso se conectar com essa diversidade que não está tão distante de nós”.

A ARTivista visual, curadora autônoma e comunicadora indígena. Integrante do coletivo amazônida MAR, da associação multiétnica Wyka Kwara e do Colabirinto, vive em São Paulo, onde desenvolve uma produção artística plural, que passa por colagens, instalações, pinturas, fotografias, performances e videoentrevistas assina a obra Pataui.
Em sua obra articula memória, identidade, ancestralidade e resistência indígena em uma perspectiva anticolonial.
Moara afirma que “a arte é uma forma de reexistir”. Para ela, cada trabalho visual nasce do desejo de romper com os estereótipos que ainda insistem em representar os povos indígenas como figuras do passado.
“Quando componho uma imagem, estou conversando com os ensinamentos da minha mãe, das minhas avós, com os grafismos que trazem histórias, com as águas do Tapajós. É como se cada obra fosse uma miração: uma visão que nasce do encontro entre memória e imaginação”, explica.
Sua trajetória inclui participações em exposições no Brasil e no exterior, como a Bienal de Sidney (Nirin, 2020), o Programa de Exposições do CCSP e o Seminário de Histórias Indígenas do MASP.
Indicada ao Prêmio de Arte e Educação da Revista Select, em 2018, Moara defende que a arte é também ferramenta de cura, afeto e reconexão. “Ela nos permite nos ver com nossos próprios olhos e nos apresentar ao mundo com a força da nossa própria narrativa.”
Saiba mais sobre a exposição
Exposição “Ta’ãngaa, os indígenas por eles mesmos”
Visitação: 14 de maio a 12 de outubro – De terça a domingo, das 10h às 20h
Onde: Galeria de Fotos do Centro Cultural Fiesp (em frente ao metrô Trianon-Masp)
Artistas: Moara Tupinambá, Edgar Kanaykõ Xakriabá, Richard Wera Mirim, Genilson Guajajara, Gê Viana, Kamikia Kisedje, Denilson Baniwa e Natalia Tupi
Curadores: Richard Vera Mirim e João Kulcsár
Entrada: Gratuita