A Pinacoteca de São Paulo inaugurou a exposição Beatriz González: a imagem em trânsito, nas sete salas do edifício Pinacoteca Luz. Com curadoria de Pollyana Quintella e Natalia Gutiérrez, a mostra revisita os mais de 60 anos de carreira da artista, conhecida pelos trabalhos que tecem críticas à história de violência em seu país e reinterpretam obras da História da Arte ocidental.
Ao todo, são mais de 100 trabalhos produzidos desde a década de 1960, incluindo peças fundamentais como Decoración de interiores (1981) e Los suicidas del Sisga II y III (1965).
Beatriz González (1932, Bucaramanga, Colômbia) questionou ideais de bom gosto, kitsch, e cultura popular, ao mesclar ícones religiosos, mídia de massa e pintura vernacular, sempre em confronto direto com a história de conflitos políticos e sociais colombianos.
A artista ficou conhecida pelas obras que intervém com pintura em diversos itens de mobiliário, como camas e mesas, televisões e cortinas, deslocando a linguagem pictórica de seu suporte tradicional. Sua única exposição no país aconteceu em 1971, na 11ª Bienal de São Paulo.
“A mostra se presta a aproximar Brasil e Colômbia por meio da força política da arte latino-americana, reconhecendo histórias marcadas por desigualdade, violência e disputas simbólicas. A obra de González, crítica e profundamente comprometida com o contexto social, revela como a imagem pode ser um campo de resistência e elaboração coletiva”, conta a curadora Pollyana Quintella.
“Em cartaz em paralelo a POP Brasil, trata-se ainda de uma oportunidade de propor diálogos férteis entre González e artistas brasileiros da nova figuração, ao tensionar os modelos da pop arte estadunidense a partir de realidades periféricas. Em ambos os casos, trata-se de traduzir a cultura de massas com os recursos e urgências locais, subvertendo seus códigos com invenção e radicalidade”, aifrma.
“O primeiro contato de González com a cena da arte latino-americana internacional foi durante sua participação na Bienal de São Paulo. Na ocasião, ouviu o comentário de que sua participação havia sido precoce. A princípio, entendeu que isso significava que sua obra ainda não tinha maturidade suficiente para estar ali. No entanto, em uma entrevista posterior, refletiu que talvez não fosse sua obra que carecia de maturidade, mas sim a época histórica que ainda não estava preparada para compreendê-la”, explica a curadora.
“Cinquenta e quatro anos após apresentar seu trabalho no Brasil, sua obra retorna com esta retrospectiva como uma confirmação de sua disciplina constante e da relevância de seu olhar artístico para a arte latino-americana e internacional”, conclui Natália Gutiérrez.
Sobre a exposição
A mostra se organiza de forma a apresentar os diferentes aspectos históricos e conceituais da “maestra” da arte colombiana, reunindo alguns de seus principais trabalhos. O início da carreira de González nos anos 1960 é marcado por sua escolha em se apropriar de imagens amplamente reproduzidas, como as de jornais populares e enciclopédias, em um momento em que o circuito colombiano buscava ainda uma identidade nacional.
Já na primeira sala expositiva, dedicada as obras sobre mídia, reprodução e circulação da obra de arte, está a emblemática cortina serigrafada Decoración de interiores (1981), na qual a artista estampou a imagem do presidente à época, Julio César Turbay Ayala, cantando em uma festa.
A imagem é transformada em um desenho têxtil repetido sucessivamente como padrão gráfico, que questiona o peso institucional da hierarquia presidencial (Ayala ficou conhecido pela gestão de repressão a movimentos sociais e superficialidade midiática), conferindo-lhe uma função decorativa.
A sala seguinte é dedicada as intervenções em mobiliários, transformados em suporte para imagens apropriadas do imaginário popular e religioso colombiano, como nas obras Naturaleza casi muerta (1970) e Saluti da San Pietro. Trisagio (1971).
Também podem ser vistas as reinterpretações de obras canônicas da pintura europeia, como Sea culto, siembre árboles regale más libros (1977), uma releitura da obra Mulheres no jardim (1866-67), de Claude Monet, que com quase 5 metros de altura foi desenvolvida a partir de uma reprodução desbotada.
O procedimento de pintar uma imagem tal qual foi encontrada foi adotado pela artista, enfatizando as distâncias culturais e simbólicas entre o original e a América Latina. “Aqui nunca vimos as originais; o que conhecemos são as imagens gastas pelo uso”, comenta González.
A exposição também reúne obras que falam sobre seu interesse por imagens extraídas da imprensa, procedimento adotado sobretudo a partir dos anos 1970. González tematiza em suas obras as consequências do conflito armado colombiano, a violência política, a crise climática e a experiência de comunidades indígenas.
Em Los Suicidas del Sisga (1965), que teve como referência os jornais El Espectador e El Tiempo, a artista parte de uma fotografia dos jornais sobre um duplo suicídio cometido por um jovem casal, olhando para os códigos que vinculavam a imagem à crônica policial e a reprodução das imagens nos meios de comunicação de massa.
Nos anos 1980, a artista direciona seu olhar à iconografia política colombiana. Deste período, estão ali presentes obras como Señor Presidente, qué honor estar con usted en este momento histórico (1986) que comentam diretamente eventos traumáticos da história recente, como a tomada do Palácio da Justiça. Já em Plumario colombiano, González ironiza o uso superficial da cultura indígena pelo poder institucional, ao contrapor símbolos do Estado e imagens de espiritualidade popular.
A partir dos anos 1990, González aprofunda seu trabalho sobre os efeitos da violência na vida cotidiana. Nesta seção da mostra, veremos figuras femininas em luto, trazendo à tona o sofrimento causado por perdas forçadas e o silêncio do Estado. Junto a elas, pinturas de grande formato evocam a repetição de cenas de luto, com caixões, valas comuns, e corpos anônimos. González contrapõe essa banalização com composições rigorosas e comoventes que tecem críticas à espetacularização e à midiatização da morte.
A mostra se encerra com a série Pictografias particulares (2014), apresentada na 8ª Bienal de Berlim, na qual González utiliza placas de trânsito como símbolo coletivo para representar situações de crise social provocadas pela migração forçada devido ao deslocamento, desastres ambientais ou à violência, particularmente em territórios rurais e camponeses.
A exposição Beatriz González: a imagem em trânsito é coproduzida pela Pinacoteca de São Paulo (30 de agosto – 1º de fevereiro de 2026), pelo Barbican Centre, Londres (25 de fevereiro – 10 de maio de 2026), e Astrup Fearnley Museet, Oslo (12 de junho – 11 de outubro de 2026). A mostra tem patrocínio da Vivo na categoria Platinum, Martinelli Advogados, na categoria Prata, além de UBS e Iguatemi, na categoria Bronze.
Serviço: Pinacoteca de São Paulo realiza 1ª individual de artista referência na arte colombiana
Quando: De quarta a segunda, das 10h às 18h (entrada até 17h)
Onde: Praça da Luz, nº 2 – Luz
Entrada: Gratuita aos sábados | R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada), ingresso único com acesso aos três edifícios – válido somente para o dia marcado no ingresso | 2º Domingo do mês – gratuidade Mantenedora B3