Maranhense de Governador Nunes Freire (MA), uma cidade de 25 mil habitantes, a 250 km da capital São Luís, Flaviana Alves migrou para Goiânia aos 19 anos. Ela veio estudar Jornalismo já com o sonho de ser escritora na bagagem. Oito anos depois, em dezembro de 2019, lançou o livro Dona de si (2019) com histórias que trazem um panorama de como é ser mulher e migrante em Goiás. Todavia, não se trata de uma autobiografia e sim de um compilado trajetórias que, de certa forma, tocam algumas vivências da autora.
O livro-reportagem nos apresenta cinco mulheres nordestinas e nortistas, que se mudaram para Goiânia em busca de uma realidade melhor. É corriqueiro que as migrações sejam justificadas principalmente por oportunidades no mercado de trabalho, em regiões mais desenvolvidas economicamente. Todavia, nos casos relatados por Flaviana, as mulheres tiveram outro fator comum para migrarem para Goiás: a violência de gênero, seja ela familiar ou doméstica.
“Não tive violência doméstica no meu núcleo familiar e isso foi um desafio para mim. É sempre muito complicado quando elas vão falar da violência em si, seja a tentativa de estupro, ver a mãe apanhar ou ser a vítima da agressão. Eu demorei a digerir essas histórias. E, por isso, também fiz o ‘Donas de si’ espaçado”, conta Flaviana. Ela demorou cerca de 10 meses para apurar as histórias, que resultaram no seu trabalho de conclusão de curso em 2018. Porém, a publicação do livro ocorreu um ano depois, de forma independente financiada pela autora, da impressão à distribuição.
A ligação entre migração de mulheres e violência de gênero
A jornalista, que se formou na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), descobriu que a violência de gênero é um motivador para mulheres migrarem de suas regiões, estados e até de país, quando fez intercâmbio para estudar Inglês, em Londres. Assim, Flaviana se conectou com brasileiras que migraram porque foram vítimas de violência de gênero.
Com este recorte, ela começou a projetar uma coleção literária, com três livros. O primeiro é o Donas de si, com mulheres migrantes em Goiás, mas o projeto contará também sobre mulheres que migraram para o exterior e histórias de violência que, lamentavelmente, chegam cada vez mais à autora por causa de sua obra e reportagens, que publica sobre o tema.
Como a autora encontrou suas personagens
Muita gente pode pensar que a violência de gênero é algo distante. Porém, Flaviana, que inicialmente, tentou encontrar suas personagens em instituições e entidades de apoio a mulher, acabou conhecendo as mulheres migrantes, que se encaixavam no recorte do livro, por meio da indicação de amigos.
“Comecei a perguntar minhas amigas se elas conheciam alguém que já havia sofrido algum tipo de violência e era migrante. E, infelizmente, foram assim que as histórias chegaram. O quanto essas histórias estão mais próximas de nós, do que nós imaginamos? Muitas vezes basta perguntar a um amigo seu, se ele conhece alguma pessoa vítima de violência e, provavelmente, ele vai conhecer”, relata a autora.
Quem são as mulheres migrantes Donas de si
Assim, as histórias de Eronilde, Helena, Izalina, Laurita e Lenira encontraram Flaviana. Cada uma delas, têm nuances próprias, apesar das coincidências. Eronilde é maranhense e negra, migrou para Goiás, depois de engravidar durante a adolescência e sofrer violência familiar. Helena deixou o Piauí, onde teve uma infância pobre e sofreu com violência doméstica por parte do marido. Hoje, mora na cidade de Alto Paraíso (GO).
Izalina, hoje já com 80 anos, é uma mulher à frente do seu tempo. No Ceará, teve namorados e terminou até um noivado, em uma época em que mulheres pouco tinham voz. Porém, ao formar uma família, ela se deparou com um marido agressivo. Laurita é baiana e sofreu tentativas de abusos de familiar e violência doméstica. Lenira, a única nortista (do Pará), teve uma infância muito pobre e presenciou vários episódios abusivos do pai em relação à mãe, mas conseguiu formar uma família estruturada em Goiânia.
O livro Donas de si é vendido na Livraria Palavrear, no Setor Leste Universitário, ou diretamente com a autora, por meio das redes sociais.
Como Goiânia recebe quem vem de fora
Goiânia, a cidade planejada para ser capital de Goiás e fundada em 1933, tem muito de seu desenvolvimento relacionado a um processo de migração. Afinal, uma nova cidade precisava ser povoada. Durante a Marcha para o Oeste (a partir de 1937), programa que pretendia preencher os vazios demográficos no Centro-Oeste e Norte do País, no período da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, havia propagandas que incentivavam as pessoas a se mudarem para a nova capital.
Impulsionadas por várias questões e projetando melhores perspectivas, Goiânia hoje ainda recebe migrantes de vários lugares do País. Flaviana, que também é migrante, conta que seus entrevistados e também ela tendem a caracterizar a capital como uma cidade acolhedora. “Goiânia me deu tudo que eu precisava e um pouco mais. Ao mesmo tempo que é uma capital e tem possibilidade de profissionalização e melhoria de vida, não é tão caótica como Rio de Janeiro e São Paulo, tem ares de um lugar mais tranquilo”, afirma a escritora.