A Cerrado Galeria, sediada em Goiânia, inaugura no sábado (14/6) duas exposições individuais simultâneas – com curadoria de Divino Sobral – que promovem o diálogo de diferentes investigações artísticas, com obras de Estêvão Parreira e David Almeida.
De um lado, Estêvão Parreiras apresenta a exposição O corpo quer fecundar a terra, com obras que cruzam arte, religiosidade e memória. Do outro, David Almeida faz sua primeira individual na cidade com Paisagens da imprecisão, na qual explora o território da pintura a partir de paisagens instáveis e subjetivas. Abertas ao público com entrada gratuita, as mostras seguem em cartaz até 26 de julho.
Embora distintas em abordagem e linguagem, as exposições de Estêvão Parreiras e David Almeida se costuram inconscientemente e subjetivamente, como aponta o curador.
“Ambos os artistas trabalham com linguagens tradicionais, como a pintura e o desenho, explorando suportes diversos e articulando um patrimônio de memória”, resume Divino.
Para ele, em meio a um mundo saturado por imagens — e por seu consumo e desgaste acelerados —, as mostras revelam “a potência de reinventar o que já foi inventado, recuperando elementos de determinados períodos da história”.
Na exposição O corpo quer fecundar a terra, Estêvão Parreiras cria uma iconografia própria, que cruza referências religiosas com memórias afetivas e paisagens da sua terra natal, Pouso Alegre, no sul de Minas Gerais. A partir da simbologia dos ex-votos – objetos votivos que expressam promessas e agradecimentos ao sagrado – o artista constroi um corpo de obras que trata do martírio e da transcendência.
Ao representar figuras solitárias, sempre usando camiseta vermelha e calça jeans, Parreiras trabalha a ideia do autorretrato como espelho de sua própria jornada espiritual. “O personagem atua como um autorretrato, apontando a confluência da identidade daquele que representa com o que é representado”, afirma Divino Sobral no texto curatorial.
Essas figuras estão relacionadas com elementos como anjos, serpentes, auréolas, corações, estrelas e montanhas, numa justaposição de signos que remetem à fé católica, mas também à natureza. As montanhas, por exemplo, remetem às paisagens de Minas, mas também são lidas como espaços de elevação necessários à revelação espiritual.
O título da mostra é retirado de um verso escrito pelo próprio artista, em que revela sua entrega visceral à criação: “O corpo quer fecundar a terra”. É nesse gesto de fusão entre matéria e espírito, corpo e paisagem, que a exposição encontra sua força poética e simbólica.
Com formação em São Paulo e raízes em Brasília, David Almeida apresenta em Paisagens da imprecisão um conjunto de pinturas e monotipias que, embora remetam à paisagem, têm como foco central a investigação da própria pintura. A mostra marca sua primeira individual em Goiânia e revela um artista que manipula cor, luz e gesto com sofisticação e consciência histórica.
Em vez de representar lugares identificáveis, Almeida constroi “terrenos fantasmáticos”, como define Sobral, nos quais a profundidade e a atmosfera são criadas a partir dos elementos fundamentais da matéria pictórica. Com referências que vão da pintura pós-impressionista à segunda geração modernista paulista, suas obras exploram tonalidades sóbrias, pinceladas expressivas e uma constante tensão entre forma e dissolução.
Nas palavras do curador, “David Almeida aborda a imprecisão da vida contemporânea de modo parcimonioso e ancorado na herança da tradição”. Essa imprecisão se traduz em contornos borrados, manchas e luzes enigmáticas que provocam o olhar e sugerem uma natureza em estado de suspensão. Há algo de bucólico e, ao mesmo tempo, inquietante nas paisagens que o artista propõe, como se flutuassem entre o real e o imaginado.
Outro aspecto marcante da exposição é a variedade de suportes e materiais utilizados: além das telas e linhos, Almeida trabalha com objetos como cerâmicas e placas de madeira reaproveitadas, num gesto que remete ao conceito de objet trouvé. As monotipias, por sua vez, revelam um dinamismo quase barroco, com forte contraste entre luz e sombra e uma escala intimista que convida à contemplação próxima.
Sobre Estevão Parreiras
Estêvão Parreiras, nascido em Pouso Alegre, Minas Gerais, atualmente reside em Goiânia, Goiás. Ele é formado em Artes Visuais pela FAV-UFG e recebeu o prêmio de Artista Revelação no 23º Concurso Sesi Arte Criatividade em 2017. Sua obra premiada foi incorporada à coleção do acervo Sesi em Goiás.
Em seu trabalho, Estêvão tem refletido sobre a linguagem do desenho. Sua base para criar sua poética, relacionada com sua subjetividade e identidade, está no risco feito sobre o papel.
O artista observa o ambiente ao seu redor, os lugares da memória e a experiência devocional referenciada nos ex-votos, com as ideias de oferta, agradecimento e confissão.
Além de um desejo ligado ao prazer, entende que o desenho é o que sobra de sua vontade de deixar suas marcas, produzidas por um impulso materializado e mediado pelo instrumento que utiliza para riscar o papel. Desta forma, se sente pertencente ao mundo, eternizando-se no tempo e no espaço ao macular o papel com o grafite.
Sobre David Almeida
David Almeida é um artista nascido em Brasília, no Distrito Federal. Atualmente, vive e trabalha em São Paulo. Indicado ao Prêmio PIPA em 2018 e em 2022, foi premiado em 2015 e 2013 pelo Salão de Arte de Jataí, em 2014 pelo 20º Salão Anapolino de Arte e em primeiro lugar no I Prêmio Vera Brant de Arte Contemporânea em 2016.
Sua pesquisa se desenvolve em torno da experimentação pictórica em diversos meios e suportes como tela, linho, madeira, cerâmica e gravura. Sua produção tem como eixo principal as problemáticas do espaço e do corpo em percurso, explorando a visualidade do território íntimo, da cidade e da paisagem regional brasileira.
No espaço pictórico, investiga os limites entre a paisagem do campo e o imaginário, ora enfatizando a densidade dos materiais em obras figurativas ou pendendo para a abstração, ora deslocando elementos naturais em telas de tom metafísico e espiritual.
Serviço: Exposições ”O corpo quer fecundar a terra”, por Estêvão Parreiras, e “Paisagens da imprecisão”, por David Almeida | Cerrado Galeria
Abertura: 14 de junho, das 11h às 14h Período expositivo: de 14 de junho a 26 de julho de 2025
Onde: Cerrado Galeria – Rua 84, nº 61, Setor Sul
Horários de visitação: Segunda a Sexta-feira , das 10h às 19h | Sábado, das 10h às 13h
Mais informações: cerradogaleria.art
Entrada: Gratuita