Faz 22 anos que um bar no Centro de Goiânia abre todos os dias. Oficialmente, seu nome é Via 8, por conta da rua 8 onde se localiza. Só que tal qual o bairro que parece ter vida própria, o bar foi se enquadrando no cotidiano, ganhando personalidade, a cara e o jeito da dona. Todo mundo conhece mesmo por Bar da Cida. Maria Aparecida Silva, de 60 anos, é a identidade do lugar por um motivo fácil de notar: ela ama demais o que faz!
“O Centro é uma cidade do interior. Não vejo aqui ruim como as pessoas falam. Nunca fui afetada por nada, nunca fui assaltada, nunca ninguém jogou alguma coisa para estragar o bar. Aqui, eu conheço todo mundo, todos me conhecem. A gente sabe dos perigos, mas é ótimo de conviver. Minha vida é o Centro”, contou Cida, que parou de gerenciar o seu negócio por uma hora para um papo leve em uma das mesas do bar dela.
A proprietária atesta a dificuldade que as pessoas têm de ligar o Bar da Cida ao nome original em situações do cotidiano, como na procura pelo sinal do wi-fi (sim, o bar tem internet de graça). Um dia escutou a conversa de duas mulheres que achavam que a rede de internet “era roubada” de outro bar na região. Rindo da história, ela explicou que o nome do wi-fi continua como Via 8.
Solucionar o problema de entendimento e exaltar o nome que caiu no gosto popular está nos planos da proprietária. Aliás, Cida já queria ter mudado a fachada. Um novo letreiro estava previsto para a última reforma que fez no bar. Mas o dinheiro acabou antes da alteração. Ela tinha outras prioridades. Mas sabe quando a confusão com o nome parece fazer parte da aura do lugar? Pois é!
22 anos sem férias
Cida nos confidenciou que nunca tirou férias, desde que abriu o bar em sociedade com o marido (César) há mais de duas décadas. “Não sinto necessidade. Não sei se acostumei tanto nesse ritmo de trabalhar todos os dias, que estou bem. Não acho que preciso tirar um mês de férias”, diz com a tranquilidade de quem tem certeza sobre o que está falando.
Ela foi funcionária de uma grande empresa por mais de 15 anos. O companheiro sempre trabalhou com bares e precisava de alguém para ajudá-lo. Abriram juntos um bar no Setor Universitário, que durou 10 anos. Depois, mudaram para o ponto atual.
A rotina de trabalho começa às 10h. Além do bar, Cida também é dona de casa. “Arrumo, limpo, passo, cozinho e depois venho para o bar. Tenho coisas para resolver na rua. Neste horário (10 h) meu marido já está fazendo compras”. De segunda a sábado, o bar funciona das 17h à 1h. Aos domingos e feriados, abre às 10h e funciona até 0h.
O cardápio
O cardápio sofrerá alterações em breve. A começar pelo nome do bar. Ao menos no menu constará Bar da Cida. Alguns itens que vendem menos irão sair e outros novos vão entrar, como a carne na chapa. Mas combinações de acompanhamentos antigos continuarão sendo feitos. “É só o cliente antigo saber que ele existe”, confidenciou Cida.
Atualmente, o cliente que vai ao Bar da Cida tem 30 opções de combinações de acompanhamentos para o espetinho. De mandioca até ovo, maionese e purê de batatas. A variedade foi aumentando ao longo do tempo em um processo curioso.
O bar sempre vendeu espetinho. A Cida contou que, na época que abriu o bar, a tradição era servir apenas a carne. “No máximo, passava molho e farinha.” Depois, a mandioca ganhou espaço junto como espetinho. E então o vinagrete. A partir daí, Cida criou o que chama de restaurante noturno!
Como a Cida desenvolveu o menu
“Um dia falei para o meu marido que iria fazer arroz e feijão tropeiro. Ele disse que ninguém que sentasse em um bar comeria isso com cerveja. Disse que eu estava ficando doida. Mas achei que só mandioca todos já faziam, inclusive os bares mais caros. Hoje, nós não temos só um bar, mas um restaurante”, considerou.
Uma das precursoras da jantinha, Cida calcula que cozinha 15 kg de arroz em uma noite. São três panelas de 5 kg cada, que vão sendo feitas à medida que os pedidos são anotados. “A quantidade de pessoas que vêm aqui para comer arroz, bife, feijão e ovo é enorme! Este é o prato feito (PF) mais vendido”, salienta.
Para os espetinhos, o clássico dos acompanhamentos é feijão com mandioca. Os preços variam de 9 reais a 16 reais. O segundo prato mais vendido da casa é o macarrão com molho à bolonhesa (é um quilo de macarrão!). Outras opções são caldos, omelete, pastel frito na hora, peixe, carne de sol na brasa, batata frita, frango a passarinho e torresmo.
Os preços populares, segundo a proprietária, só são possíveis graças à pesquisa contínua. “O segredo é a própria pessoa comprar e não depender apenas de distribuidores”, disse. O Bar da Cida vende cerca de 150 caixas de cerveja bem geladas por mês. São cinco funcionários (que ela conta com orgulho), além dela e do marido.
Os mais inusitados clientes
Cida afirma que tem uma clientela fixa. “É muito difícil eu não conhecer alguém que está no bar”, contou. A maioria são amigos. Ela senta, bate papo e garante que agradar a todos é uma tarefa muito difícil.
“Quem tem cliente hoje, tem ouro. Tem muitos bares e locais para beber uma cerveja e comer algo gostoso por Goiânia. Então, quando alguém escolhe sentar aqui para beber e comer fico extremamente grata. E quando eu recebo os clientes, quero agradá-los. Mas é difícil agradar a todos. Um adora o feijão um pouco mais apimentado. O outro acha péssimo”, constatou.
Há frequentadores assíduos desde quando o bar abriu. Um destes clientes vai ao bar de segunda a segunda e senta apenas na mesa de número três. Se estiver ocupada, ele reclama. Se alguém está na mesa ao lado falando alto, ele reclama também.
Enquanto fazíamos a entrevista, o cliente da mesa três chegou. Cida o reconheceu ainda no carro. Sua mesa estava ocupada por uma pessoa, que logo mudou de lugar a pedido do frequentador diário.
De longe, o víamos com a rotina já dentro dos conformes. Um cliente que vai ao Bar da Cida mais de 365 vezes por ano. É que aos domingos e feriados ele aparece pela manhã e volta à noite. Ele também faz parte do clube de truco, grupo de 15 pessoas que se reúne nas mesas do bar para jogar baralho aos sábados pela manhã. É comum que os jogadores cheguem ao estabelecimento antes que a Cida abra as portas.
Esta reportagem inicia a série Botecos de Goiânia que será publicada ao longo do ano aqui no nosso site. Aproveite!