A Câmara dos Deputados concluiu na madrugada desta sexta-feira (12) a votação da PEC emergencial, que vai abrir caminho à nova rodada do auxílio a vulneráveis na pandemia e criar instrumentos de ajuste nas despesas em momentos de comprometimento severo das finanças de União, Estados ou municípios ou de calamidade nacional.
Após a desidratação que impôs uma derrota à equipe econômica na quarta-feira (10) e permitiu que servidores públicos continuem com o direito à progressão automática nas carreiras e o respectivo aumento nos seus salários mesmo no caso de crise fiscal severa ou calamidade, o governo manteve a base mobilizada para barrar novas mudanças.
Os parlamentares votaram em peso para manter o limite de R$ 44 bilhões para o pagamento do auxílio emergencial, o plano de redução dos subsídios e incentivos tributários à metade em um prazo de oito anos e a possibilidade de usar recursos presos no caixa do governo para abater mais de R$ 100 bilhões da dívida pública. A manutenção da desvinculação do superávit financeiro de fundos foi o último destaque a ser apreciado, com 356 votos a 131.
Com o encerramento da votação, o próximo passo é a promulgação do texto pelas Mesas Diretoras do Congresso Nacional. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que o ato deve ocorrer o mais rápido possível. Segundo ele, o entendimento da Consultoria Legislativa da Câmara é o de que a PEC pode ser promulgada já nesta sexta, mesmo com as mudanças feitas pelos deputados em relação ao texto que veio do Senado.
“Houve destaques supressivos, mas que não alteram a essência da PEC, não alteram o mérito do texto, e a nossa assessoria e os consultores da Casa entendem que, da nossa parte, ela está pronta para promulgação”, afirmou Lira. A decisão final, porém, dependerá da Consultoria Legislativa do Senado.
Após a promulgação, o governo está pronto para editar duas Medidas Provisórias, com vigência imediata: uma para estabelecer as regras da nova rodada do auxílio, outra para abrir o crédito extraordinário que libera os recursos que bancarão o programa.
Após a edição das MPs, o governo assina novos contratos com Caixa e Dataprev para a prestação de serviços ligados à operação do auxílio. Depois, a Dataprev finaliza os cruzamentos, e então a Caixa efetua o pagamento aos beneficiários.
O desenho prevê quatro parcelas mensais de R$ 150 para famílias de uma pessoa só, R$ 250 para a média das famílias e R$ 375 para mulheres que são únicas provedoras da família. O governo prevê contemplar cerca de 45 milhões de pessoas.
Os cálculos foram feitos de acordo com o limite de R$ 44 bilhões e há hoje “pouca gordura” para fazer qualquer alteração no valor dos benefícios, como mostrou o Broadcast.
O texto da MP deve conter um artigo que permitirá a prorrogação do período de quatro meses de pagamento do auxílio. No entanto, segundo apurou o Estadão/Broadcast, o limite de R$ 44 bilhões na prática impede o acionamento dessa extensão. “Precisa de Orçamento para uma prorrogação”, alertou uma fonte que participa das negociações.
Na área econômica, o trabalho é para manter o texto com os R$ 44 bilhões. Há a avaliação de que ainda é muito cedo para saber se o governo precisará ou não lançar uma nova rodada do auxílio para além dos quatro meses que já estão nos planos atuais. Segundo uma fonte ouvida pela reportagem, a doença precisa ser monitorada diante dos sinais de piora em indicadores de casos e óbitos, mas “não dá para ser oportunista”.
Além disso, a área econômica conta com um avanço mais significativo no calendário de vacinação, sobretudo com a promessa da Pfizer de tentar antecipar doses do imunizante para o Brasil.
Na avaliação de duas fontes, é muito cedo para dizer hoje se o governo precisará ou não de mais parcelas do auxílio. Caso elas sejam necessárias, haveria dois caminhos: nova mudança na Constituição, para elevar o limite de R4 44 bilhões, ou decretação de calamidade, uma vez que a PEC já estará promulgada com o novo protocolo para crises agudas.
Acordo
Durante a votação nesta quinta-feira (11), o governo honrou o acordo feito com os deputados para evitar uma desidratação total na PEC. Eles liberaram no texto promoções e progressões das carreiras do funcionalismo mesmo em momentos de crise. Por outro lado, reajustes salariais, inclusive para repor a inflação, poderão ser congelados. Foram 444 votos a favor da mudança no texto e 18 contra.
Na sessão de quarta, com medo de não ter os votos para barrar um destaque do PT, que derrubaria todos os gatilhos, incluindo o congelamento de salários de servidores e outras despesas do governo, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), propôs manter a possibilidade de progressões e promoções nas carreiras, mesmo durante os estados de calamidade ou emergência fiscal (quando há elevado comprometimento das finanças).
A estratégia da equipe econômica foi baseada em cálculos internos sobre o quanto cada uma dessas medidas poderia render de economia aos governos estaduais, municipais e à própria União.
Segundo apurou a reportagem, técnicos calculam que o impacto das progressões na União pode ficar entre R$ 500 milhões a R$ 2 bilhões, a depender da quantidade de servidores com ascensão na carreira programada para o ano. Na média, o impacto é calculado em R$ 1,2 bilhão ao ano. Já nos Estados e municípios, o custo com as progressões é mais elevado e fica entre R$ 10 bilhões e R$ 14 bilhões ao ano, porque muitos ainda possuem benefícios como triênios ou quinquênios (reajuste automático a cada três ou cinco anos de serviço, respectivamente).
Embora bilionários, esses impactos são menores se comparados à economia potencial com o congelamento de salários de servidores. Só na União, essa medida tem potencial para poupar de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões/ano, valores que precisariam ser gastos caso fosse concedida a reposição da inflação. Nos governos regionais, esse valor é ainda maior. Por isso, a “troca” foi considerada um mal necessário para evitar um desfecho dramático na votação.
A oposição disparou contra a proposta do governo. A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) criticou o fato de a PEC não trazer os detalhes do auxílio, enquanto “constitucionaliza o arrocho” nos gastos do governo.
Câmara já tinha barrado desvinculação de fundos
O governo já tinha sido derrotado na votação que tirou da PEC o trecho que tirava o carimbo de R$ 65 bilhões em receitas hoje atreladas a fundos ou despesas específicas. A medida daria maior flexibilidade na gestão do Orçamento e da dívida pública. Os parlamentares derrubaram um dispositivo que daria mais flexibilidade ao governo na gestão do Orçamento ao aprovar destaque do PDT, que retirava do texto a possibilidade de desvinculação de receitas hoje carimbadas para órgãos, fundos ou despesas específicas. Foram 178 votos a favor e 302 contra a retirada – eram necessários 308 votos contrários para manter o texto do relator.
“O governo cedeu um pouco, o plenário da Câmara ajustou”, disse o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). “É importantíssimo que nós terminemos hoje essa PEC, para dar tempo de se tomar as providências necessárias e passarmos para outros assuntos, que são justamente a reforma administrativa, com a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) já instalada, e a liberação do relatório (da reforma tributária).”
Bolsonaro comemora
O presidente Jair Bolsonaro comemorou a aprovação do texto-base em segundo turno. Ele agiu para desidratar a PEC, abrindo uma negociação para liberar promoções e progressões de funcionários públicos quando houver congelamento de despesas em períodos de crise fiscal para proteger especialmente as carreiras de segurança. A atuação do presidente foi na linha oposta da sua equipe econômica. Guedes e também o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, atuaram para barrar as modificações e evitar a perda de economia potencial com o texto.
Bolsonaro afirmou que “às vezes, a gente não pode ganhar de 3 a 0, 4 a 0, 5 a 0. Se tiver 2 a 1, foi uma vitória”. “Foi uma vitória que tivemos hoje que soma para que a nossa população tenha dias melhores. Soma para que os investidores tenham cada vez mais confiança”, disse o presidente durante evento online da Frente Parlamentar da Micro e Pequena Empresa, com a participação do Sebrae.