Com 259 mortos e 11 desaparecidos até agora, a tragédia de Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, continua responsável pela revelação de dados alarmantes sobre a segurança das represas no País. O aumento da fiscalização nas estruturas, ocorrido após o rompimento e considerando reservatórios de geração de energia e de água, acusou a existência de 156 estruturas em condições críticas em 22 Estados em 2019, ante 68 no ano anterior, alta de 129,5%.
O levantamento indica presença de problemas estruturais. Não há risco só em Sergipe, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e Distrito Federal. Do total, 49 são de mineração e parte tem grande poder de destruição no caso de ruptura. Os dados sobre as barragens constam do relatório de Segurança de Barragens do ano passado da Agência Nacional de Águas (ANA).
A tragédia em Brumadinho foi a segunda de grandes proporções em três anos. Em 5 de novembro de 2015, a barragem da Samarco se rompeu em Mariana, matando 19. O distrito de Bento Rodrigues foi destruído. A lama que desceu chegou ao Rio Doce e ao Espírito Santo.
O relatório da ANA, feito no ano de Brumadinho, acusa aumento de 135%, na comparação com 2018, nas fiscalizações. O número de inspeções no local cresceu de 920 para 2.168. O relatório mostra também que, das 156 barragens em estado crítico, mais da metade, 80, está em Minas Gerais. Houve ainda recorde no número de registros de acidentes e incidentes envolvendo barragens, 12 e 58, respectivamente, em 15 Estados.
O Brasil tem 19.388 estruturas de mineração, geração de energia e armazenamento de água. O relatório da ANA afirma não haver informações completas de 11.826, ou 61%. Não houve avanço: em 2018, a quantidade nessa situação era de 11.767. A ausência de informações, como dimensões das barragens e volume do que guardam, têm como consequência a impossibilidade de se prever os impactos contra a vida humana e o meio ambiente e o enquadramento na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB).
A própria ANA classifica a situação como fundamental para a segurança da população. “Isso mostra que ainda há um enorme passivo de informações básicas, o que se torna um desafio que deve ser enfrentado pela maioria dos órgãos fiscalizadores, notadamente os de barragens de acumulação de água”, informa seu relatório. A PNSB determina as regras para administração da segurança. Segundo a agência, “a definição se a barragem se submete ou não à PNSB é fundamental (…) para que a sociedade conheça qual o universo de barragens que geram algum tipo de preocupação em caso de eventual rompimento, permitindo a cobrança e a fiscalização de seus empreendedores”. Essa política completou dez anos na sexta-feira.
A coordenadora de Regulação de Serviços Públicos e de Segurança de Barragens da ANA, Fernanda Laus, afirma que nem todas as barragens em condições críticas correm risco de ruir. A técnica diz que o relatório pode não significar uma piora. “O que aconteceu é que as informações passaram a chegar. As pessoas foram mais a campo”, diz. Os dados são repassados à agência por um conjunto de 33 entidades fiscalizadoras. “O que desenvolvemos é um trabalho de conscientização. Ajudamos com ferramentas para que os responsáveis pela fiscalização atuem”, comenta. A ANA oferece, por exemplo, cursos pela internet com orientações nesse sentido.
Mineração
O diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), Eduardo Leão, afirma que a tragédia de Brumadinho foi responsável pela impulsão no número de fiscalizações. “Passamos o ano inteiro correndo atrás”, afirma. Conforme o diretor, algumas estruturas chegaram a passar por sete inspeções em 2019. Leão diz ainda que o fato de o órgão, que era antes Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), ter virado agência, em 2018, contribuiu para mais fiscalizações.
Na área da mineração, segundo dados da ANM, há 441 barragens, de um total de 841, inseridas na PNSB. Ou seja, não existem informações completas sobre 400. Leão afirma que as estruturas provavelmente não oferecem risco, mas que não há garantia de que problemas não venham a ocorrer. “Toda barragem é um ser vivo.
Pode haver o impacto de uma chuva, por exemplo”, avalia. “Quanto mais informações, melhor para se fazer a gestão.” Segundo o diretor, a agência ainda passa por dificuldades como número reduzido de fiscais, são 30 para todo o País, e uso de sistema de computadores ultrapassados.
O professor do Departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Roberto Galéry, diz que a tendência continua a ser a extinção de reservatórios de rejeitos, como os que ruíram em Mariana e Brumadinho. “Ficou provado que essas barragens não são seguras.” O especialista defende ainda maior atenção à desativação dessas estruturas. “É preciso tomar atitudes para que acidentes não ocorram mais. As barragens que estão em estado crítico têm de ter as atividades suspensas”, defende. “Depois de Brumadinho, que foi uma reincidência no Brasil, foi atingido um nível de gravidade maior.”
Galéry aponta que o sistema de segurança de barragens no Brasil, que prevê a responsabilidade para o dono da estrutura, e a fiscalização ao poder público, é o ideal, mas pode apresentar falhas. “Não há pessoal suficiente para fiscalizar. Por outro lado, empresas grandes costumam se preocupar mais com a operação, que gera receita, e descuidar da parte da segurança, que apenas cria despesa.”
O presidente do Conselho Diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Wilson Brumer, afirma que as rupturas de barragens já provocaram mudanças no comportamento das empresas dentro e fora do País. “O que aconteceu em Brumadinho e Mariana serviu de grande alerta para o setor como um todo, até no exterior. Empresas que não sentiam que podiam ter problemas pararam para pensar: Aconteceu lá, poderia acontecer aqui também.” Serviu de alerta, então.
Conforme Brumer, as companhias do setor passaram a buscar mais transparência e segurança. “Há mais comunicação e empenho para que a ANM seja fortalecida. O clima dentro do setor é de mudança”, afirma. O presidente do Ibram indica, no entanto, que o setor poderá encontrar dificuldades exatamente no descomissionamento das barragens.
“Não é algo simples de se fazer. Cada uma tem de ser avaliada dentro de seu perfil. Se fechar de forma inadequada, pode acontecer um acidente.”
Pandemia
Os números deste ano talvez sejam diferentes. O diretor da ANM adiantou que a pandemia do novo coronavírus atrapalhou as fiscalizações ao longo de 2020, sobretudo em relação à contração de serviços e equipamentos para o trabalho. “Não paramos, mas tivemos problemas, por exemplo, para locação de veículos para o deslocamento das equipes.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.