É no mínimo curioso que, em plena pandemia que colocou o mundo inteiro dentro de casa, cada vez mais na frente de telas e sem contato próximo com outros humanos, Normal People, sobre o amor na juventude, com muitas cenas de intimidade – na cama ou não -, esteja em nove de dez listas de melhores deste ano atípico. Ou talvez seja autoexplicativo. “Eu acho que a série nos lembra que é possível ter ligações transformadoras com outras pessoas e que isso pode ser bom”, disse, ao jornal O Estado de S. Paulo, Lenny Abrahamson (indicado ao Oscar por O Quarto de Jack, de 2015), diretor dos seis primeiros episódios – os outros seis ficaram por conta de Hettie Macdonald. A série está no ar no serviço de streaming Starzplay.
Normal People é baseada no best-seller Pessoas Normais, escrito por Sally Rooney, lançado no Brasil pela Companhia das Letras e considerado o romance-símbolo dos millennials, o que quer que isso signifique. Rooney escreveu os seis primeiros roteiros, seus primeiros trabalhos fora da literatura, em parceria com Alice Birch.
“O desafio maior foi que os dois personagens principais são muito introvertidos”, disse a autora em evento da Associação de Críticos de Televisão, em Los Angeles. “Uma romancista tem diversas ferramentas à disposição para expressar a interioridade, e o roteirista, outras – só que eu não estava acostumada a elas. E tinha de me habituar à ideia de que, numa obra audiovisual, a escrita é apenas uma pequena parte de contar uma história.”
No caso, é a história de Connell (Paul Mescal), o atleta popular da escola no interior da Irlanda, e Marianne (Daisy Edgar-Jones), a menina riquinha, sem saco e sem amigos.
Os dois não poderiam ser mais opostos, pelo menos nas aparências. Mas Connell não é o típico atleta dos filmes americanos. É sensível, gosta de ler, acha Marianne engraçada e também se compadece quando ela é zoada – só não tem coragem de dizer nada para seus amigos. “Ele está numa posição social que tem a ver com a masculinidade, com força física e dominação”, disse Rooney. “E isso é imposto a alguém com sensibilidades desalinhadas a essa posição. Connell se sente extremamente incomodado de fisicamente ocupar esse espaço.”
É essa alma sensível que o aproxima de Marianne. A mãe dela é uma advogada de sucesso que pouco liga para a filha, e seu irmão é um bully. A mãe de Connell, Lorraine (Sarah Greene), cria o filho sozinha com o dinheiro que ganha fazendo faxina em casas como a de Marianne. Os dois adolescentes engatam um romance secreto. E a série acompanha as idas e vindas do relacionamento dos 17 aos 22 anos.
A falta de comunicação é o grande obstáculo para o amor de Marianne e Connell, mas, mesmo que os dois se encontrem no sexo, uma coisa não está dissociada da outra. “Eles têm grande intimidade mesmo discutindo um livro. Claro que às vezes se comunicam mal também”, disse Abrahamson. “Mas quis mostrar a conexão física entre os dois como parte de uma continuidade do resto de seu relacionamento. Não é que eles param de conversar para o sexo começar. Tudo faz parte da comunicação entre eles.”
Em parceria com a diretora de fotografia Suzie Lavelle, Abrahamson optou por closes informais e uma iluminação mais natural que permitem chegar bem perto dos atores – e dos personagens. A abordagem intimista fazia sentido também porque Normal People fala de como somos afetados por quem encontramos pelo caminho, mesmo de maneiras mínimas. “Muitas séries tratam de coisas grandes e significativas. Aqui damos espaço às pequenas”, disse ao Estadão a produtora Emma Norton. “Para que assim todos possam ver que são as pequenas coisas que realmente fazem grandes diferenças para as pessoas.”
A série leva o romance entre dois jovens a sério. “Sempre que vemos adolescentes fazendo sexo, é num tom cômico ou um pouco sombrio e perturbado”, disse Emma Norton.
Na verdade, o romance contemporâneo em geral anda meio fora de moda. “Temos muitos dramas românticos de época, talvez por uma legitimação vinda da literatura ou do período”, afirmou Norton. “O romance na contemporaneidade é visto como algo sem grandes pretensões intelectuais. Mas o livro de Sally tem um tratamento inteligente e bem pensado do assunto.”
Para Abrahamson, a escritora não menospreza os personagens por sua juventude. “Eles não existem apenas para falar de amor e romance. São pessoas completas e complexas.”
Connell e Marianne têm falhas e qualidades. Tratam-se bem e às vezes mal. Lidam com problemas familiares, ou de dinheiro, ou de classe social, ou de saúde mental. “No fim, ninguém é normal. Mas todos somos incrivelmente únicos”, disse a atriz Daisy Edgar-Jones.
É essa humanidade que provavelmente atraiu tantos espectadores. E, por que não, a saudade de contato com outras pessoas, por mais difícil que ele seja às vezes. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.