Em alta desde os primeiros casos de covid-19 no País, o desemprego só deve atingir o pico no trimestre encerrado em setembro, quando alcançará 14,5%. As projeções são da consultoria IDados a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, e consideram cenário que inclui a quebradeira nas empresas provocada pela pandemia e a maior procura por trabalho.
Entre julho e setembro deste ano, 15 milhões de trabalhadores podem ficar sem ocupação, pelos efeitos da crise. A estimativa considera tanto os trabalhos formais quanto os informais e, se confirmada, significaria uma taxa de desocupação recorde. Até agora, o maior porcentual registrado pela pesquisa foi de 13,7%, ou 14 milhões de brasileiros. O patamar foi observado em março de 2017, logo após a última recessão.
O economista Bruno Ottoni, pesquisador da IDados, lembra que o mercado de trabalho tem um comportamento mais lento do que o restante da economia. “Nesta crise, vamos ver esse efeito de volta dos trabalhadores no terceiro trimestre, quando as cidades reabrindo e as pessoas que ficaram desempregadas voltarem a buscar trabalho. O problema é que as vagas vão demorar a aparecer.”
No caso da vendedora Maria da Guia dos Santos, de 50 anos, os últimos meses não têm sido nada fáceis. Trabalhando por toda a vida em uma feira de artesanatos na orla do Rio de Janeiro, ela se viu sem poder trabalhar. “A gente lutou por anos para legalizar a feira, tudo parecia bem. Então, apareceu essa doença maldita e o que a gente conquistou foi reduzido a pó.”
O mercado de trabalho tem sentido os efeitos da quarentena. No trimestre até maio, o País teve pela primeira vez um número maior de desempregados do que empregados, entre os brasileiros em idade para trabalhar. Além disso, como uma reportagem do Estadão apontou, o desemprego não tem crescido tanto porque vem sendo atenuado por quedas significativas da taxa de participação – as pessoas deixam de procurar emprego por causa da pandemia e param de aparecer nas estatísticas de desocupação, fazendo o desemprego parecer menor.
“A taxa de desocupação funciona como um efeito ‘nariz na porta’, a pessoa é considerada desocupada se ela pôde procurar um emprego e não encontrou”, diz o economista sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes.
Uma estimativa do Itaú Unibanco apontava que no trimestre até abril, quando as medidas de isolamento social foram mais duras, o desemprego teria chegado a 16%, se os trabalhadores pudessem ter procurado por uma vaga, bem acima dos 12,6% registrados. Só que a saída das pessoas da força de trabalho deve se esgotar este mês, o que fará com que mais gente volte a procurar trabalho.
Recuperação lenta
Mais de 2 milhões de pessoas, que em sua maioria haviam deixado de procurar emprego por causa da pandemia, devem voltar a buscar uma colocação agora. “A questão é que os novos empregos que serão gerados mesmo com o início da recuperação da economia não virão em um ritmo suficiente para evitar o aumento do desemprego ao longo deste trimestre”, diz Ottoni.
A estimativa da consultoria é que a taxa de desocupação termine o quarto trimestre em 13,4% – mais baixa do que no terceiro trimestre, mas bem acima do desemprego registrado no mesmo período do ano passado, quando ficou em 11%.
Na fila do supermercado, o autônomo César Pereira, de 50 anos, não tinha expectativas de trabalhar tão cedo. Ele só fazia contas: com a pandemia e as corridas de aplicativo escassas, as compras do mês seriam magras, o almoço de Páscoa ficou para o ano que vem e o presente que compraria dia das mães viraria uma lembrancinha. “Sem poder trabalhar, a gente até esquece de comemorar essas pequenas coisas. Você acaba mesmo só pensando em como chegar ao dia seguinte.”
Na visão dos economistas, o desemprego deve começar a cair no fim deste ano e ao longo de 2021 por meio de ocupações precárias, como a de César. Sem poder retornar ao mercado formal, muitos brasileiros que perderam o emprego agora vão buscar uma recolocação com serviços via aplicativos. E quem já era informal deve levar mais tempo para se formalizar.
“Diante de tantas incertezas, é possível antever que o processo de recuperação do País vai ser bem complicado. As famílias vão sair da pandemia mais endividadas e tendo de lidar com um desemprego em alta. As empresas nacionais estarão mal e o mercado externo, se recuperando. É difícil pensar em uma recuperação sem investimento público, mas o governo não parece estar disposto a fazer isso”, diz o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) João Romero.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.