Desrespeito, abuso, violação! São esses os sentimentos de mulheres que passaram por violência obstétrica. Apesar do termo ter sido, possivelmente, abolido de documentos de políticas públicas, conforme orientação do Ministério da Saúde, muitas mulheres ainda relatam que foram vítimas deste tipo de violência durante a gestação, parto e puerpério.
O termo é indiferente mediante a situação passada pelas vítimas durante este momento da vida. Aliás, o gênero feminino é historicamente cercado de fases e episódios que podem deixar as mulheres em situação de vulnerabilidade, principalmente no âmbito da violência, seja ela em qualquer esfera, tanto de gênero, doméstica, física, psicológica, financeira, institucional e sexual.
De acordo com a Delegada Paula Meotti da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), independente da época, mas especialmente às vésperas do Dia Internacional da Mulher, é importante conscientizar. “É sempre bom a gente ressaltar a importância de existir uma sociedade com menos crimes contra as mulheres, independentemente de qual tipo e qual a natureza desse crime”.
Relatos de Violência Obstétrica, mais uma face da violência contra as mulheres
Pressão psicológica
Além do sofrimento físico, mulheres contam que foram submetidas à violência psicológica. Mãe de duas filhas, Thallita Ramos, conta que sofreu até mesmo preconceito durante o parto, devido ao excesso de peso. “Eu já engravidei acima do peso, já estava gorda e em toda consulta eu saía triste do consultório do médico, pois ele brigava porque eu estava engordando”.
Thallita relata que em uma determinada consulta, o médico propôs fazer o exame de toque, mas durante o procedimento ela sentiu dores e ele disse que estava “dando uma ajudinha” para que ela entrasse em trabalho de parto. Depois da consulta, a mulher afirma que saiu do consultório chorando, sentindo dores e sangrando. “A gente acha que o médico sabe das coisas”, completou.
Quando entrou em trabalho de parto, na sala de cirurgia, ela conta que um dos médicos colocou a mão dentro de sua genitália para ajudar a criança nascer, o que ocasionou uma laceração perineal. Emocionada, Thalitta diz que “é difícil lembrar, porque sei que tem mulheres com relatos muito piores que o meu, mas é uma coisa que paralisa, a gente não está em posição de reagir em uma hora dessas”.
Uma outra mulher, Lohayne Gomes Lopes, de 31 anos, relatou que entrou em trabalho de parto com 39 semanas. Foi ao hospital durante a madrugada, onde permaneceu até o outro dia quando o médico chegou. Ela disse que o médico a pressionava para que pudesse fazer uma cesariana, pois o parto natural estava demorando muito. “Estou fazendo minha última cirurgia agora e estou indo para o almoço. Se você não fizer a cesariana agora, eu vou mandar toda minha equipe embora e vamos ficar só nós dois a tarde toda”.
Dito isso, ela conta que o médico foi para o almoço e quando voltou já foram para a sala de cirurgia. Deitada e sem forças, pois não a deixaram se alimentar enquanto estava na unidade de saúde, ela diz que viveu o pior momento de todos. “Ele estourou minha bolsa e enfiou as duas mãos dentro de mim, não sei se para ajudar na dilatação, mas me mandava eu fazer força e eu não conseguia”.
Chorando, Lohayne relata que estava perdendo a consciência e pediu para que o médico fizesse uma cesariana, momento que tudo fluiu normalmente “como se fosse ensaiado”, afirma. “Eu comecei a chorar, só queria chorar, por ter me sentido incapaz, por não ter tido voz”.
Descaso e medo
Além de passar por todos os medos e inseguranças da gravidez, as mulheres afirmam que as vezes ainda são submetidas ao descaso na violência obstétrica. Naraiene Cristina, de 28 anos, é advogada e descreve que passou momentos horríveis durante o parto do filho.
“Eles não esperaram a anestesia pegar direito. Não fizeram nenhum tipo de teste. Eu senti o corte da minha cesárea. É uma situação tão complicada, pois a gente está numa situação muito vulnerável. Eu sabia de tudo que estava acontecendo, sabia dos meus direitos e simplesmente também aconteceu comigo”.
A advogada ainda relata que foi alvo constante de chacota os médicos, pois estava acima do peso, eles até relacionaram o tamanho da criança com seu peso. “Nossa, é gordo igual a mãe”.
Violação
Uma outra mulher, identificada como Franciele, contou momentos de horror que viveu durante uma consulta no período de gravidez. Ela fala da vez que se sentiu estuprada. “O médico pediu para eu ir sozinha e vestida com uma camisola deitar na maca que ficava em outro cômodo do consultório para me examinar. Daí apalpou minha barriga, perguntou sobre meu seio e leite, e, sem me pedir permissão, puxou e abriu minha camisola e apalpou meus seios, além disso, beliscou meu mamilo. Eu me assustei, me senti constrangida, violada”.
Direitos e como denunciar
Segundo a delegada Paula Meotti, é extremamente importante que a mulher procure a polícia para registrar um boletim de ocorrência, para que o caso seja investigado, pois é um direito da mulher viver em paz e ser respeitada.
Atuante na área há 18 anos, a advogada Roberta Wascheck, de 46 anos, ressalta que a violência obstétrica é um mal que deve ser disseminado, mas caso aconteça é importante fazer a denúncia, pois o denunciado arcará com as consequências “na esfera cível (indenização), na administrativa (junto ao Conselho de Medicina), e na esfera penal”.
A advogada ainda salienta que “a mulher tem direito de acompanhamento durante o parto e, se não for permitido é preciso informar e denunciar o fato, uma vez que existe lei que respalda esse direito. Importante ressaltar, que a mulher precisa ter consciência de que, na hora do parto, ela precisa estar atenta e bem informada sobre todos os procedimentos e dizer o que se deseja”.