À medida em que se aproxima o leilão das faixas de frequência da internet de quinta geração (5G), previsto para o primeiro semestre de 2020, operadoras e fornecedoras de telecomunicações têm defendido, junto ao governo federal, que a cobrança pelas outorgas não onere demais os participantes do certame. Caso contrário, sobrará menos dinheiro para as empresas investirem na implantação das redes que vão levar o 5G para a população, alegam.
A preocupação das teles é justificada pelo histórico do governo federal, que há tempos usa os leilões para bombar a arrecadação dos cofres públicos. Desde a sua criação, em 1998, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) realizou 10 grandes licitações de faixas para serviços móveis, que resultaram numa arrecadação de R$ 33,7 bilhões, ou R$ 85,192 bilhões em valores corrigidos pela inflação. Um montante alto se comparado ao que as empresas já desembolsam por ano com manutenção e expansão das redes, na ordem de R$ 30 bilhões.
Os dados foram compilados em um estudo entregue para a Anatel pela multinacional sueca Ericsson, uma das maiores fornecedores de equipamentos de telecomunicações no Brasil, ao lado da finlandesa Nokia e da chinesa Huawei. O levantamento da Ericsson apontou também que o espectro das frequências no Brasil é o quinto mais caro em um ranking com 40 países.
O custo médio por aqui está em US$ 227 por habitante, nível acima de nações ricas como Estados Unidos (US$ 190), Alemanha (US$ 140) e Suíça (US$ 110), e de países em desenvolvimento como México (US$ 75) e Chile (US$ 10), já considerando a paridade do poder de compra da moeda.
“Há uma preocupação grande por aqui, que é como evitar que o próximo leilão tenha viés arrecadatório”, afirmou o diretor de assuntos governamentais da Ericsson, Tiago Machado. “O que importa de fato? Uma arrecadação de bilhões que caia imediatamente nos cofres públicos ou colocar o País na vanguarda de tecnologia”, questionou.
No caso do 4G, a tecnologia levou um ano para começar a chegar à população após o primeiro leilão, em 2012. Para o 5G, a intenção de fornecedores e operadoras é baixar esse tempo, já que a nova tecnologia já chegou aos Estados Unidos, China e alguns países da Europa, mesmo que a cobertura ainda seja pequena e restrita a algumas cidades.
E por aqui, o Ministério da Economia estima que o 5G pode agregar R$ 249 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) até 2035, decorrentes do aumento direto de produtividade com a implantação da nova tecnologia, que vai oferecer uma velocidade de conexão mais rápida e permitir o desenvolvimento de novas aplicações, desde carros autônomos até cirurgias feitas por médicos à distância.
Diante desse contexto, o potencial viés arrecadatório do leilão também foi um dos temas do encontro do presidente global da Telefônica (dona da Vivo), José María Álvares Palette, com o presidente Jair Bolsonaro, ocorrida em Brasília no começo do mês.
Na ocasião, a companhia pediu que as outorgas não sejam muitos custosas e defendeu que as operadoras assumam obrigações de difundir o 5G pelo País em vez de desembolsarem valores astronômicos logo na largada. “O Brasil tem carência de conexão. Então, o leilão deveria ser mais de obrigações de cobertura e conexão e muito menos arrecadatório”, disse o presidente da Telefônica no Brasil, Christian Gebara. “Se for muito arrecadatório, a habilidade das empresas em investir vai ser menor”, completou.
Por sua vez, o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia (Sinditelebrasil) também vem conversando com Anatel e com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) sobre a importância de abrir caminho. O sindicato empresarial também defendeu redução de impostos e flexibilização das licenças municipais para instalação de antenas como forma de facilitar a difusão do 5G. “O setor defende a realização de leilões de frequências não arrecadatórios, com regras que incentivem a implantação de infraestrutura, acelerando a disseminação do uso do 5G”, afirmou, em nota.
Estimativas
Questionada sobre suas intenções, a Anatel deu a estimativa de que o valor do leilão gire em torno de R$ 20 bilhões, divididos meio a meio entre outorgas e compromissos. A agência designou as frequências 2,3 GHz e 3,5 GHz para o 5G, além de sobras da faixa de 700 Mhz, também usado atualmente para o 4G. “Será um leilão mais voltado para a imposição de compromissos de investimento em redes em regiões com baixa atratividade econômica do que para a arrecadação. Isso é necessário para suprir as lacunas de telecomunicações existentes no País”, declarou o conselheiro Vicente Aquino, relator do edital, indicando que está atento ao pleito das empresas.
Ele ponderou, entretanto, que ainda falta computar para o leilão os gastos necessários para garantir a normalidade do funcionamento das antenas parabólicas, que utilizam faixa adjacente ao 3,5 GHz, uma das que serão licitadas. A solução para acomodar os sinais ainda depende de uma definição por parte do MCTIC.
E a conta pode sair cara. A Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel) apresentou esta semana ao governo uma proposta de distribuir kits para adaptação do sinal para cerca de 11 milhões de domicílios nessa situação, o que deve custar R$ 2,9 bilhões, a serem pagos com recursos do leilão.
Já o Sinditelebrasil se opôs a essa proposta, rebatendo que as possíveis interferências sobre os domicílios é pequena e poderia ser resolvido por meio de filtros mais simples nas antenas. “A solução deve ser aquela de menor impacto financeiro e maior facilidade de operacionalização, não trazendo dificuldades para o processo e garantindo o uso eficiente dos recursos públicos”, apontou.