O dono da página humorística “Te Sento a Vara” foi condenado a pagar R$ 100 mil a idoso goiano pelo uso indevido da foto, que virou meme e se espalhou pelas redes sociais. A decisão foi do juiz Thiago Inácio de Oliveira, da 2ª Vara da comarca de Cristalina. Segundo a decisão, o conteúdo, difundido para mais de 6 milhões de seguidores no Instagram, dispunha da foto do rosto do autor da ação com frases depreciativas.
João Nunes Franco, de 92 anos, soube pelas netas, que seu retrato, tirado há décadas, era usado nas sociais de forma indevida. A foto original estava num blog de fotografias antigas de pessoas que viviam em Campo Alegre de Goiás, no interior do estado.
De acordo com a sobrinha-neta do idoso, Jéssica Franco Santos, que atuou como advogada no processo, ele morou na maior parte de sua vida em zona rural e é avesso às tecnologias. Ele teria relutado em ajuizar o processo, pois imaginava que a fama indevida terminaria sozinha. “Ele não sabia dos seus direitos e da dimensão que tomou sua fotografia. Ele ficou muito triste e foi difícil convencê-lo de que era preciso uma medida judicial para por um fim nisso”, afirmou.
Juiz afirma que houve ofensa à imagem do idoso goiano em memes do “Te Sento a Vara”
Na decisão, o juiz reforçou que os conteúdos foram compartilhados no Instagram, onde a página tem maior concentração de seguidores, e também por perfis no Facebook e Twitter. “Em simples pesquisa na plataforma de busca ‘google.com’, ao digitar o grosseiro e despudorado termo ‘sentoavara’ ou ‘sento a vara’, rapidamente o primeiro link remete à imagem do idoso”, observou o magistrado.
A foto de João Nunes foi usada em memes com frases depreciativas, como “Vendo meu juízo… Novinho na caixa, nunca usado” e “Te sento a vara moleque baitola” e “Tudo que eu quero comer … Ou é caro, ou engorda, ou visualiza e não responde”. “As frases, inseridas sobre a séria e respeitável imagem do requerente, visualizada por milhares de pessoas, ultrapassa, e muito, as raias do mero aborrecimento”, afirmou Thiago Inácio.
Para ele, é claro que houve ofensa à honra do requerente. “Revela-se inquestionável que um idoso prestes a completar 92 anos de idade, nascido nos idos de 1927 no interior de Goiás, sertanejo, que guarda consigo tradições e costumes divorciados da desvairada era da internet mal usada, abala-se psicologicamente ao deparar-se com sua imagem vinculada a situações extremamente vexatórias, sem contar que difundida mundo afora”, destacou o juiz.
Dono da página “Te Sento a Vara” alegou que a imagem seria de domínio público e uso livre
Em defesa, o dono da página, Henrique Soares da Rocha Miranda, alegou que a fotografia de João foi encontrada, por acaso, na internet em 2014, e seria de domínio público e uso livre. Devido ao sucesso dos memes, ele requereu ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) o registro da marca “te sento a vara” e cadastrou a pessoa jurídica da sua página. O Dia Online entrou em contato com o administrador dos perfis e aguarda posicionamento.
O magistrado entendeu que a tese defendida pela parte ré não mereceu acolhimento. “O direito à imagem se encontra elencado no rol dos direitos da personalidade, os quais, à luz do artigo 11 do Código Civil, são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.
Além disso, de acordo com informações do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), o juiz destacou que é aplicável, também, o Estatuto do Idoso, em seu artigo 10. “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais”.
Por fim, o juiz ponderou que houve ato ilícito, que causou transtornos à vítima. “Os memes visualizados por centenas de dezenas de seguidores de tais redes sociais apresentam frases pejorativas, indelicadas e depreciativas, as quais envolvem diretamente a imagem do requerente, podendo lhe causar, no mínimo, constrangimento e forte desconforto. Convém registrar que muitos idosos, notadamente da idade do requerente, nascido na década de 20, sendo munícipe tradicional em cidade do interior de Goiás, inclusive tendo sua história de vida contada em blog da cidade, guardam princípios morais de uma sociedade conservadora. A corroborar, há documentos demonstrando a mercancia de produtos vinculados à imagem do idoso, acompanhado do rude título “Sento a Vara”, quadro que contribui com maior exteriorização indevida da imagem.”