Após denúncias de cárcere privado e maus-tratos, o Ministério Público de Goiás (MP-GO), por meio da 3ª Promotoria de Justiça, deflagrou, nesta quarta-feira (31/7), uma operação para cumprimento de mandados de busca e apreensão em três clínicas de recuperação de Cristalina, no interior de Goiás. Ao menos 43 internos relataram agressões moral e física, além de outras irregularidades e violações.
Durante as buscas, foi constatado que os estabelecimentos funcionavam na prática como comunidades terapêuticas, embora tenham sido registradas junto à Receita Federal como clínicas de reabilitação. A Vigilância Sanitária Municipal já havia detectado várias irregularidades em fiscalizações anteriores, principalmente quanto à ausência da documentação necessária para o funcionamento e falta de profissionais habilitados para o tratamento e a dispensação de medicamentos. O MP também já havia recebido denúncias em relação às clínicas.
Foram constatadas ainda, de acordo com o MP-GO, inúmeras violações aos direitos das pessoas acolhidas. Dos 96 internos entrevistadas por psicólogas e assistentes sociais e avaliadas por médicos do município foi constatado que: mais da metade relatou estar sendo mantida na entidade contra sua vontade; e mais de dois terços foram internados sem prévia avaliação médica.
Dezesseis internos repassam o benefício previdenciário ao estabelecimento em que estão acolhidos, conforme apuração do MP; pelo menos seis acolhidos relataram nunca ter feito uso de substância psicoativa e não saber por que estão internados; e 43 disseram já ter sofrido agressão moral ou física por parte dos funcionários e monitores do local.
Clínicas de recuperação em Cristalina fazia “resgate” de internos com cordas, camisas de força e remédios
Segundo os relatos dos acolhidos e as provas encontradas nos celulares apreendidos, era comum a prática do chamado “resgate” por meio de condução à força, tanto mediante contenção física, com cordas e camisas de força, quanto medicamentosa; os remédios eram aplicados por pessoas sem qualquer capacitação técnica. As práticas ocorriam nos três estabelecimentos fiscalizados.
Foram encontrados nos locais, onde eram cobradas mensalidades de té R$ 2,5 mil, remédios vencidos, fracionados e sem identificação; alimentação inadequada e imprópria para consumo; faixas para contenção física dos internos; estrutura física deteriorada; pessoas internadas há mais de quatro anos; e documentos pessoais, cartões de crédito, carteiras e bens pessoais dos acolhidos e de pessoas que já saíram do estabelecimento.
Além disso, as clínicas privavam os internos de contato com os familiares; e ainda os prendiam dentro os estabelecimentos com uso de grades, cadeados, cercas elétricas e concertinas. A fiscalização constatou que nos locais ocorriam constrangimento ilegal e extorsão dos acolhidos que manifestaram desejo de interromper o tratamento; existência de “quartos de contenção” como forma de punição; e armas brancas escondidas embaixo dos colchões dos monitores.
Caso os internos desrespeitassem as normas, estariam sujeitos a “correções” e “experiência educativa”, conforme comunicados fixados nas paredes das clínicas.
Sócios de clínicas de reabilitação de Cristalina são presos
Cinco sócios e administradores dos estabelecimentos foram presos em flagrante por cárcere privado. Os casos serão acompanhados pela 1ª Promotoria de Justiça de Cristalina, que deverá tomar as providências cabíveis com base nas provas colhidas nos locais. Os internos foram resgatados, passaram por avaliação médica e psicossocial, e estão sendo acompanhados por profissionais do município.
Fizeram parte da fiscalização conjunta mais de 40 servidores públicos, entre fiscais da Vigilância Sanitária Municipal e da Superintendência de Vigilância em Saúde (Suvisa), médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais da prefeitura de Cristalina, policiais militares da 32ª CIPM e servidores do Ministério Público de Cristalina. A ação também contou com a participação e auxílio da área de Saúde do Centro de Apoio Operacional do MP-GO. Os mandados foram expedidos pelo juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Cristalina, Thiago Inácio de Oliveira.