O vereador de Goiânia Kleybe Morais (PSDC) está à disposição do Centro de Recuperação de Alcoólatras de Goiânia Cerea), mas não aparece para trabalhar por lá. Servidor fantasma, ele tenta justificar as faltas, mas não convence.
O vereador foi visto pela última vez no Cerea há pelo menos dois meses. Mesmo sem trabalhar, o parlamentar recebe um adicional salarial de R$ 9.245. Com o salário de R$ 14.400 como parlamentar, os proventos do político chegam a R$ 26.668.
À disposição da entidade desde a publicação do decreto do prefeito de Goiânia Iris Rezende Machado no dia 7 de fevereiro de 2017, a atividade do vereador na instituição que recebe alcoólicos anônimos não tem nenhuma transparência.
Mesmo assim, em um novo decreto, do dia 15 de janeiro de 2019, o prefeito manteve o vereador à disposição do Cerea “com todos os direitos e vantagens de seu cargo e com ônus para a prefeitura”.
Antes de ter sido eleito vereador pelo Partido Social Democrata Cristão, Kleybe era servidor da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho, Ciência e Tecnologia (Sedetec).
O parlamentar tem garantia constitucional de acumular função, desde que haja compatibilidade de horário. O problema é que o vereador não cumpre as 8 horas previstas pelo seu cargo de Analista de Sistemas.
O Cerea é uma entidade sem fins lucrativos. Com voluntários, atende dependentes químicos às quartas-feiras (às 20h) e aos domingos (às 16).
Normalmente, o grupo – que pode chegar a 20 pessoas – ouve palestras sobre os danos do álcool, falam de experiências e são motivadas a deixar o vício durante uma hora e meia. Nos outros dias, contudo, o local permanece fechado.
É o que afirma o caseiro do Cerea, José Pereira. Ele se livrou do alcoolismo 17 anos atrás e há um ano cuida do prédio em que recebe os “alcoólicos anônimos”. José garante: “Vi o vereador poucas vezes por aqui. Não sei se duas ou três”, diz, ao ser abordado pela reportagem na tarde de uma sexta-feira.
O presidente do Cerea, Luis Welliton de Freitas, lembra que o vereador compareceu pelo menos em uma reunião em 2019. “Ele veio trazer uma sanduicheira”, revela. O brinde foi entregue em um bingo beneficente que ocorreu em abril para a manutenção da entidade, que depende de doações e aluguel do salão da instituição para eventos.
Luis Welliton, que assumiu a presidência da instituição no último janeiro, se diz surpreso com a disposição do vereador. “Não sabemos de nenhuma parceria da prefeitura de Goiânia e nem do vereador com o Cerea. Não recebemos nenhum real porque somos voluntários”, salienta.
Segundo ele, o vereador será procurado novamente, mas para doar mais brindes para outra atividade beneficente da instituição.
Vereador ignora Cerea em agenda nas redes sociais
O vereador Kleybe Morais constantemente faz postagens nas redes sociais sobre a rotina parlamentar. Em um vídeo intitulado “Resumo da Semana” divulgado no início da tarde de segunda-feira (17/6), o vereador aparece segurando os braços do prefeito Iris Rezende em um dos mutirões promovidos pela Prefeitura da capital.
Próximo a um padre e freiras, Kleybe sorri ao lado da imagem de Nossa Senhora Aparecida. É o registro de uma visita ao Centro Estadual de Referência em Dependência Química (Credeq), instalado em Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana da capital.
Além de registros de visitas em seu gabinete, outra vez o vereador aparece com o prefeito. Desta vez, se reúne para discutir os “Direitos dos Servidores da Sedetec”, seu órgão de origem.
Nenhuma publicação, contudo, relaciona a atividade do vereador no Cerea, onde deveria cumprir horário compatível ao que ele exercia na Sedetec, ou seja, de 8 horas.
“Enchendo o saco de novo?”, diz vereador ao repórter
Em entrevista ao Portal Dia Online, o vereador Kleybe Morais assume que está à disposição do Cerea. Mas, indagado a respeito de sua atividade na instituição, o parlamentar diz que busca recursos para o local e tenta ajudar “na documentação para declaração de utilidade pública”. Sem mais detalhes, complementa dizendo que sua atuação se restringe à “divulgação dos trabalhos do Cerea”.
“O senhor é servidor fantasma?”, pergunta a reportagem. O vereador se irrita: “Não estou acreditando que você está me ligando para encher o saco de novo”, disse antes de desligar.
A Prefeitura de Goiânia foi procurada por e-mail 24 horas antes da publicação desta reportagem, mas até o momento não respondeu, por exemplo, se a entidade tem alguma parceria com a administração municipal. O vereador também não respondeu sobre o vínculo.
Vereador é investigado pela Polícia Federal
Não é a primeira vez que a reportagem do Dia Online, com exclusividade, publica denúncias envolvendo o vereador Kleybe Morais.
No dia 13 de novembro de 2018, após 2 meses de investigação, a reportagem conseguiu documentos e depoimentos que resultaram em uma denúncia no Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), que solicitou apuração da Polícia Federal (PF).
A reportagem descobriu que o vereador conseguiu, por meio de um funcionário da Sedetec que depois se tornaria seu assessor na Câmara, ter acesso aos dados de funcionários comissionados com contratos prestes a vencer na Secretaria Municipal de Educação (SME).
Com isso em mãos, reuniu-se com quase 700 pessoas para convencê-las a votar nele e conseguir votos para que conseguissem renovação do contrato ou a contratação em 2017. O esquema de compra de votos ainda está em investigação, que segue sob sigilo.