O número de internações e mortes de pessoas com mais de 55 anos relacionadas ao consumo de bebidas alcoólicas apresentou crescimento de 6,9% e 6,7%, respectivamente, no ano de 2016, em comparação a dados de 2010, segundo uma análise inédita sobre o tema realizada pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa). O objetivo do levantamento, que será apresentado nesta terça-feira, 26, é oferecer subsídios para a criação de políticas públicas apropriadas para o perfil do País e conscientizar a população sobre o uso abusivo de álcool.
Iniciado em maio de 2018, o trabalho tem como base dados publicados por entidades nacionais e internacionais, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS). A avaliação do grupo com mais de 55 anos surpreendeu os pesquisadores.
“Esse é um dos resultados inesperados do relatório que fizemos. Não começamos a trabalhar com os idosos como um problema forte, mas, quando fomos ver, eles são um grupo de pessoas com um problema grave, sem ter políticas públicas para eles e sem treinamento específico de recursos humanos”, afirma o médico psiquiatra Arthur Guerra, presidente executivo do Cisa.
Enquanto houve redução no número de internações e mortes parcial ou totalmente atribuíveis ao álcool em todas as faixas etárias abaixo dos 54 anos, foi registrado um crescimento entre as pessoas mais velhas. Em 2010, 31,06% dos pacientes internados por alguma situação relacionada com a bebida tinham mais de 55 anos. Em 2016, o porcentual passou para 37,96. No caso de óbitos, o índice saltou de 55,81% para 62,52%. Para o Cisa, o crescimento pode estar relacionado a fatores diversos, desde o aumento de consumo nessa população até a transição de pessoas da faixa etária anterior que ficaram mais velhas.
Membro do conselho consultivo da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), a psiquiatra Ana Cecilia Marques diz que o hábito de beber é grave para as pessoas com faixas etárias mais avançadas pelo fato de agravar doenças e por causa de limitações do organismo relacionadas à idade. “Trazendo esse hábito para essa faixa etária, vai complicar tudo o que tem em doenças crônicas e se espera que essa mortalidade cresça mesmo. A aptidão de metabolizar o álcool é menor, porque o fígado tem menos enzimas. O impacto nesses órgãos de desintoxicação é maior.”
O Ministério da Saúde disse, em nota, que tem investido em ações de promoção à saúde e na qualificação de profissionais para atender a população idosa que, segundo a pasta, vai representar 20% da população em 2030. “A partir da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, os Estados têm implementado a Estratégia Nacional para o Envelhecimento Saudável, que trouxe, pela primeira vez, orientações aos profissionais de saúde e gestores para aumentar a qualidade de vida dos idosos.”
Perfil
Sexo: masculino. Estado civil: casado. Faixa etária: mais de 41 anos. Idade que começou a beber: entre os 13 e 17 anos. Esse é o perfil de quem está querendo parar de beber no País, segundo um levantamento inédito realizado pelo Alcoólicos Anônimos (AA), que tem mais de 70 anos de atividade no Brasil. Entre julho e novembro do ano passado, a entidade ouviu 5.828 dos seus mais de 50 mil membros e mapeou ainda as conquistas de quem luta contra a dependência: 29% estão sóbrios há mais de 20 anos e 68% dos entrevistados não tiveram recaídas.
“Esse inventário já é feito nos Estados Unidos desde a década de 1960”, diz Camila Ribeiro de Sene, presidente da Junta Nacional de Serviços Gerais de AA do Brasil. Segundo a pesquisa, 87% dos integrantes do Alcoólicos Anônimos são homens, 62% são casados ou estão em união estável, 32% são aposentados e 43% foram motivados a procurar ajuda por pressão de familiares. Problemas de saúde (34%) e no trabalho (27%), ideias suicidas (13%) e problemas judiciais (6%) foram outras razões.
O programa tem 12 passos, com forte ligação com a questão espiritual, mas o primeiro deles é reconhecer a dependência. “A pessoa que deseja parar de beber pode frequentar as reuniões. Não existe taxa nem cadastro. E o que acontece nos grupos? Troca de experiências, partilha de esperanças e de como lidar com a doença. Mostrar o que deu certo e, só por hoje, conseguir se manter sóbrio e distante do álcool”, diz Camila, que é psicóloga e atua há 15 anos como voluntária do projeto.
Quando estava no fim da adolescência, o aposentado Adalberto, de 74 anos, começou a ter as primeiras experiências com o álcool. “Fazia uso de bebidas leves para me enturmar. A história de chegar à derrota, até precisar do AA, demorou.”
Após dez anos, ele começou a sentir a necessidade de ingerir bebidas alcoólicas assim que acordava. “As perdas foram aparecendo. Fui perdendo amigos, empregos…” O aposentado temia ser internado e as reuniões foram o caminho para tentar dar fim à necessidade de consumir bebidas alcoólicas. O irmão, que também tinha problemas com álcool, já era um membro do AA. “Depois de mais dois anos bebendo, a derrota aumentou, a separação veio e meu irmão me socorreu. Depois de algumas reuniões, caí na real e resolvi aceitar a ajuda. Consegui evitar o primeiro gole só por 24 horas, só por hoje.” São 34 anos e 2 meses sem recaídas.
Entre as memórias de quando tinha 5 ou 6 anos, o aposentado Antônio, de 63 anos, consegue recuperar os “golinhos de cachaça” que experimentou. “Eu me senti muito bem.” Aos 12 anos, precisou de atendimento médico após tomar as sobras de copos de vinho em uma festa.
“Com 15, 16 anos, comecei com o hábito de beber nos fins de semana. O uso diário e contínuo começou de 17 para 18 anos e foi até os 36 anos. A dependência fez com que ele não conseguisse terminar o curso de História ao fazer faculdade e perdesse oportunidades no banco onde trabalhou. Fases importantes de sua vida também passaram sem que ele estivesse sóbrio. “Casei alcoolizado e, quando minha filha nasceu, fiquei bebendo por uma semana, durante a licença-paternidade.”
Doença grave
Presidente executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), o médico psiquiatra Arthur Guerra diz que a dependência do álcool é uma doença grave e de difícil tratamento.
Segundo ele, estudos apontam que o AA é um grupo que traz resultados expressivos. “Uma das diretrizes é a abstinência. A pessoa fica melhor, mas não curada. A cura seria se ela pudesse voltar a beber socialmente, mas consegue ter trabalho, família, vida sexual, amigos. Consegue fazer o que todo mundo faz.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.