Dois meses após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG) – tragédia que soma 212 mortos e outras 93 pessoas que ainda estão desaparecidas sob a lama de rejeitos de minério – a cidade de Barão de Cocais, onde outra barragem da Vale está em risco iminente de rompimento, vive um estado de vigília.
Desde 8 de fevereiro, com a subida para o nível de segurança 2 da barragem Sul Superior, da mina de Gongo Soco, cerca de 6 mil dos 28 mil moradores da cidade, habitantes das margens do Rio São João, têm dificuldade para dormir. Em caso de rompimento, a lama de rejeitos descerá pelo curso d’água.
A partir de sexta-feira, com nova elevação do nível de segurança da estrutura, agora para 3, o mais alto, que significa ruptura iminente ou em andamento, o temor se intensificou. Moradores que poderão ser atingidos chegam a manter o carro pronto na garagem com documentos, álbum de formatura de filhos e lembranças da residência que pode ser destruída.
Maria Oliveira Coluna, de 52 anos, que mora às margens do rio, na região central da cidade, conta que está em pânico. Ela afirma ter feito a única coisa que poderá levar consigo se tiver que deixar sua casa. “Fiz um vídeo. Gravei tudo na minha casa. Até as plantas. Ao vê-lo depois, se eu tiver mesmo que ir embora, vou lembrar da vida que tive e arrancaram de mim.”
Outra moradora da cidade com casa às margens do rio, a dona de casa Edna Aparecida Oliveira Silva, de 60 anos, decidiu se preparar para a partida a qualquer momento, levando tudo o que não pode deixar para trás. “Já disseram que a gente não vai ter tempo de pegar nada, então coloquei no porta-malas do carro o álbum de formatura da minha filha, algumas lembranças da casa e documentos.”
Adriana Aparecida Dutra, de 37 anos, transformou o carro praticamente em um guarda-roupas. “Aqui ninguém aguenta mais. Tem hora que dá vontade de ver essa barragem ruir, para acabar com isso de vez.” Ela conta que alguns conhecidos já abandonaram suas casas. “Uma família de Mariana, que tinha uma parente de 90 anos vivendo aqui, a levou embora”, diz.
Placas indicando rotas de fuga foram instaladas na cidade. Com temor, um grupo de moradores faz vigília à noite em uma das pontes sobre o Rio São João. “Eles dormem de dia e ficam lá à noite”, conta Edna.
Sem volta
A elevação do nível de segurança da barragem da Vale em Barão de Cocais fez com que a agente de saúde Isabel Cristina Batista, de 45 anos, perdesse por completo a esperança de voltar para casa. Isabel morava no distrito de Socorro, o mais próximo da represa, e foi retirada de casa no dia 8 de fevereiro. Na ocasião, cerca de 500 pessoas que moravam na chamada zona de autossalvamento (ZAS) foram retiradas das suas casas. Essas moradias, que ficam a uma distância de até 10 km da barragem, seriam atingidas muito rapidamente em caso de rompimento. Já os moradores do centro seriam atingidos em cerca de 1 hora, o que, segundo a Defesa Civil, é tempo suficiente para evacuar todo mundo em risco.
Isabel, que morava no distrito com o filho, a irmã, o pai e a mãe, está agora em um hotel em Santa Bárbara, junto com todos os parentes. “A situação piorou. Quando disseram que a barragem seria descomissionada, achamos que poderíamos voltar. Agora, com essa incerteza, acho difícil”, afirma.
A Defesa Civil concluiu neste domingo, 24, um plano de salvamento para o caso de a barragem se romper. Com base em novos cálculos, o órgão estimou que 6.054 moradores de Barão de Cocais, em vez dos 9 mil anunciados anteriormente, terão de ser evacuados. Mas um eventual rompimento pode atingir também duas outras cidades: Santa Bárbara e São Gonçalo do Rio Abaixo. Somando as três cidades: cerca de 9,8 mil pessoas teriam de ser tiradas de suas casas.
De acordo com a Defesa Civil de Minas Gerais, o tempo para que a lama atinja Santa Bárbara é de 3h06. A São Gonçalo do Rio Abaixo, os rejeitos chegam 6 horas após o rompimento. As três cidades passarão por simulados de rompimento da barragem nos próximos dias. O de Barão de Cocais ocorre nesta segunda-feira, 25.
O Ministério Público de Minas enviou neste domingo duas petições à Justiça. Na primeira, requer que a Vale “se responsabilize pelo abrigamento e acolhimento de pessoas e animais”, prestando toda a assistência às famílias desabrigadas. Em outra, pediu o bloqueio de R$ 120 milhões da Vale para realização de auditoria técnica para garantir a segurança de barragem. A promotoria afirma que, apesar de ter pedido à empresa, ainda não há certeza sobre a condição das estruturas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.