A perspectiva para 2019 na literatura não é das mais tranquilas: com a crise nas grandes redes de livrarias, as editoras devem buscar métodos alternativos de difusão dos livros e, por enquanto, só se pode especular o que o embate frequente entre a classe artística e o governo federal vai resultar. Ainda no fim de 2018, porém, pedimos indicações de nomes a seis escritores, críticos e leitores atentos à literatura contemporânea nacional: o que esperar da literatura brasileira em 2019?
Os “jurados” foram: Walnice Nogueira Galvão, Silviano Santiago, Marcelino Freire, Heloísa Buarque de Hollanda, Ana Paula Maia e Schneider Carpeggiani. Os nomes que eles indicaram, respectivamente, foram: Eugênia Zerbini, Conceição Evaristo, Sued Hosana, Adelaide Ivánova, Gustavo Pacheco e Socorro Acioli. Saiba nesta página o que cada um dos autores planeja para os próximos 12 meses.
SILVIANO SANTIAGO
Indica: Conceição Evaristo
“A escritora traz de volta a ideia de que o livro tem função e a literatura, missão a cumprir. Não tenho a intenção de angariar adeptos à causa do livro e da literatura no mundo pós-moderno. Sou anarquista, graças a S. Benedito. Solto a frase como a um foguete em praça pública. Que espoque nos céus conturbados de 2019 e, ainda que por um minuto, nos ilumine.”
Conceição Evaristo – Planos
A escritora não pôde atender a reportagem por estar em viagem de férias, mas sua assessoria informou que os planos são de se dedicar à escrita este ano. Em 2018, Conceição participou de dezenas de eventos em várias partes do Brasil, foi homenageada no Flink Sampa e concorreu a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Mesmo com a agenda cheia, ela lançou o romance Canção Para Ninar Menino Grande (Unipalmares, trecho abaixo).
“Uma carta escrita em papel de seda, abandonada tal qual o corpo violentado de uma mulher, ao lado de um não desejado homem adormecido depois do gozo, jazia sobre a mesa. Em letras desenhadas com esmero, podia-se ler a repetida frase: “Eu te amo, eu te amo”. Fio Jasmim pousou sobre a folha, que balançava ao vento, um descuidado olhar; já sabia de cor todo o conteúdo. Tina lhe escrevia quase sempre. Ele tinha inúmeras cartas dela e não sabia mais o que fazer com tantas folhas. Muito menos, com o amor da moça. Devolver as cartas, podia; mas, sem elas, como convencer a sua mulher que ele, primeiramente, havia sido vítima do assédio sexual e, com o tempo, do amor louco da moça?”
*Silviano Santiago é escritor e crítico literário, autor de, entre outros, Uma Literatura nos Trópicos, que em março ganha edição comemorativa pelo selo CEPE
Ana Paula Maia
Indica: Gustavo Pacheco
“Autor do ótimo livro de estreia Alguns Humanos. Para 2019 ele aposta em mais uma publicação.”
Gustavo Pacheco – Planos
São dois projetos para 2019. O primeiro é a publicação de um livro (Mundo Equívoco, título provisório) com as crônicas do autor publicadas na revista Época e outros locais (trecho abaixo). “As colunas não falam de assuntos correntes (não de maneira direta), foram pensadas para serem lidas com interesse a qualquer tempo. Contam histórias de personagens reais, a maioria escritores e poetas.” O outro projeto é seu segundo livro de contos, que chama provisoriamente de O Livro Verde.” “Já escrevi um dos contos, mas o livro provavelmente só será concluído em 2020”, diz.
Trecho:
“Conheci o escritor português Gonçalo M. Tavares na Feira do Livro de Guadalajara, no México. Ele participava de uma mesa de literatura europeia contemporânea (…). O esforçado mediador perguntou aos participantes da mesa o que eles recomendariam como leitura aos jovens estudantes da rede pública que formavam a maioria da plateia. (…) Ao chegar a vez do Gonçalo, ele disse que sempre se espanta quando encontra alguém que lê livros ruins, porque somos todos mortais e, portanto, não teremos tempo para ler todos os livros do mundo. Assim, se há tantos livros bons para ler e uma pessoa escolhe ler livros ruins, ela se comporta como se tivesse tempo de sobra; como se fosse imortal. ‘Então, quando conheço uma pessoa que lê livros ruins, tenho vontade de dizer: muito prazer, é a primeira vez que encontro um imortal'”, disse ele ao concluir sua fala, produzindo um silêncio perplexo na plateia.
*Ana Paula Maia é escritora, autora de ‘Assim na Terra Como Embaixo da Terra’, vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura 2018 na categoria romance.
Schneider Carpeggiani
Indica: Socorro Acioli
“Indico o novo romance da escritora cearense Socorro Acioli, o primeiro quase cinco anos após o elogiado Cabeça de Santo. A obra parte da história real de uma igreja no Ceará, na região dos índios tremembés, que ficou enterrada por mais de 40 anos. O nome deve ser Oração para Desaparecer. Em termos de literatura estrangeira, a Todavia prometeu o segundo volume dos diários de Ricardo Piglia.”
Socorro Acioli – Planos
Socorro tem quatro novos projetos para 2019. Dois livros saem pelo selo Seguinte: um sobre construção de narrativas e um romance juvenil, Ópera do Medo, ambientado no Theatro Municipal de São Paulo. Em abril, a editora Dummar lança Sobre os Felizes, reunião de 50 textos publicados no jornal O Povo entre 2015 e 2019. O quarto é Oração para Desaparecer (trecho abaixo). “O romance é fundamentado na mística dos tremembés de Almofala, os legítimos donos da terra, homens e mulheres de grande valor, com um repertório de fé, costumes e vivência que admiro profundamente”, diz Socorro.
Trecho:
“Os pesadelos voltaram. Sonhei de novo com a cena do meu desespero, atravessando aquela horda de loucos, gritando mais alto que eles, para anunciar que não encontrei os ossos de Rosa na igreja. Os ossos de Rosa não estão lá, era o que eu dizia, a frase final do mistério que cobriu a todos nós e devorou minha vida. Acordei assombrado com a lembrança dos olhos esbugalhados e as palavras que atiravam em direção à minha desgraça. Só na manhã seguinte vi ao espelho o quanto minha imagem era aterradora, piorada pela confusão que a lua cheia evoca. Nos pesadelos eu vejo tudo, vejo a mim e aos outros naquela noite que o destino nunca teve a decência de me explicar.”
*Schneider Carpeggiani é editor do jornal ‘Suplemento Pernambuco’ e doutor em Teoria Literária pela UFPE.
Heloísa Buarque de Hollanda
Indica: Adelaide Ivánova
“Adelaide já é o que se poderia chamar de poeta madura. Domínio total de linguagem ao lado de enorme coragem de abrir a caixa preta dos não-ditos das mulheres hoje, usando como instrumento poético sua própria experiência e seu próprio corpo. Intuo que Adelaide já é a grande referência da poesia da novíssima geração de poetas.”
Adelaide Ivánova – Planos
Dois livros saem em março, pela editora Macondo, de Juiz de Fora. Polaróides é na verdade seu primeiro livro de poesia, publicado em formato digital em 2014, que agora ganha forma física com textos inéditos. 13 Nudes sai ao mesmo tempo, um “livrinho fofo de amor”, segundo a autora, com um posfácio experimental de Érica Zíngano. A editora de Adelaide, a bola.gato verlag, vai ganhar site e trabalhos da autora estarão lá disponíveis. “Fora isso continuar trabalhando pra pagar minhas conta, tentando desmantelar o patriarcado neoliberal (risos).”
Trecho:
“Saiba que você
chegou no dia
que belchior morreu e que eu
dei pausa no coração selvagem
pra te ouvir falar – e deus
você fala mais do que o homem
da cobra – e que isso se chama amor, de certo modo
você saía de dentro da sua mãe
enquanto eu cheirava loló
e ouvia chico science nas ruas
de uma cidade latinoamericana da qual você nunca ouviria falar
até me conhecer, 20 anos depois
(…) é seu aniversário de 21 anos
eu te olho abismada
não fico exatamente feliz
e você deve sentir
pena de mim também
talvez mas não é isso que une todos os amantes,
a tristeza?”
*Heloísa Buarque de Hollanda é escritora e professora emérita da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Walnice Nogueira Galvão
Indica: Eugenia Zerbini
“Aguarde em 2019 um romance biográfico sobre a imperatriz Teresa Cristina, mulher interessantíssima, esposa de D. Pedro II, que está sendo escrito por Eugenia Zerbini. Esta escreve bem, é culta e inteligente, e se dedica há anos a uma vasta pesquisa, que a levou até Nápoles, entre outros lugares, para palmilhar a trajetória da imperatriz. Eugênia ganhou o prêmio Sesc com seu romance de estreia, As Netas de Emma, em 2005, tendo depois publicado dois livros de contos, Luciferina e Harém.”
Eugenia Zerbini – PLANOS
“Teresa Cristina é popularmente lembrada apenas pela decepção que causou no jovem imperador, por ser pouco bonita, além de mancar. Em Para Você Se Lembrar de Mim (título provisório) fui além disso”, explica a escritora. Ela acredita que há um olhar atual no texto ao ter refeito o início do romance, “fazendo a imperatriz assistir ao incêndio que destruiu o Museu Nacional, originalmente Paço de São Cristóvão, sua casa”. O livro está em negociação com uma editora.
Trecho:
“Atravesso o cerco das labaredas para ver de perto o museu arder. Meu coração – até então frio com o sopro do Eterno – queima junto com ele. Antes que o telhado caia, lanço-me em direção ao andar superior, procurando meu oratório. Busco com os olhos o teto abobadado com a pomba do Espírito Santo pintada ao meio. Criador meu, tudo isso era mesmo necessário?”
*Walnice Nogueira Galvão é crítica literária e professora emérita da FFLCH-USP.
Marcelino Freire
Indica: Sued Hosana
“Minha indicação vai ser diferente. Explico: tenho acompanhado muito o movimento da poesia falada. Recentemente, na Balada Literária em Salvador, dentro do Sarau da Diversidade, conheci a poesia de Sued Hosana. Uma poesia que fala com o corpo, a voz, a cabeça erguida, o olho aceso. Ele (é um rapaz que se denomina não binário) foi ovacionado pela plateia. Indicando a Sued Hosana, quero falar da força da poesia com temática GLBT e dizer que a literatura que tem sacudido o País é a literatura feita nas quebradas – movimento dos saraus e batalhas e slams de resistência.”
Sued Hosana – PLANOS
“Sou uma preta bisha-travesty como diria Linn da Quebrada, estudante de pedagogia, cantora, escritora, poetisa e performista”, apresenta-se Sued Hosana, direto de Salvador. Ela conta que a relação com a literatura começou no ensino fundamental, e a vontade de criar as próprias histórias a levou para a composição e poesia. Além da atuação no slam, ela faz parte do coletivo MAMBXS, “uma banda perfopoliticomusical”, e com esse projeto pretende lançar, em 2019, clipe e música.
TRECHO
“Ah minha
palavra
é tipo katana
cortando as bananas que tentaram me jogar
Bacana!
minha mente insana não deseja fama nem grana, mas revolucionar nação
As preta pari e nos gera essa geração
e tô na visão antes que seja tarde
construindo união com muita coragem
se aponta o dedo só pra preto
a cara nem arde
COVARDE! (…)”
*Marcelino Freire é escritor, autor de, entre outros, ‘Bagageiro’ (RECORD, 2018).
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.