O governo federal dos Estados Unidos começou a levantar as cartas topográficas dos terrenos na fronteira do Texas com o México e anunciou planos para começar a construção do muro prometido por Donald Trump já em fevereiro. Os proprietários de algumas dessas terras, no entanto, prometem rechaçar as ofertas de compra e se preparam para disputas na Justiça.
“Poderiam me dar um bilhão de dólares e eu não aceitaria”, diz Eloisa Cavazos, que tem um propriedade na fronteira com o México, cujas terras ficam às margens do Rio Bravo, que no lado dos EUA é chamado Rio Grande, e separa os dois países. “Não se trata de dinheiro”, diz ela.
Em março, o Congresso alocou fundos para 53 quilômetros de muro e cercas no Texas. O governo anunciou planos que passam por propriedades privadas no Vale do Rio Grande. Algumas das pessoas afetadas são de famílias que vivem na região há gerações. Há também organizações ambientais e até uma capela do século 19.
Muitos contrataram advogados que estão preparados para lutar contra o governo se, como esperado, expropriarem as terras sob o conceito de domínio eminente – que exige que o governo prove que a terra será para uso público e ofereça compensação monetária aos proprietários.
E essa questão deve se intensificar se os democratas aceitarem o pedido do governo Trump de construir mais de 345 quilômetros novos de muro, incluindo 167 quilômetros no Vale do Rio Grande e 89 quilômetros nas proximidades de Laredo – independente de se tratarem de barreiras feitas de placas de aço, como Trump sugeriu, ou mais cercas como as que os democratas apoiaram já anteriormente.
Especialistas na legislação americana dizem que Trump provavelmente não poderá fazer mão do conceito de domínio eminente se declarar uma emergência nacional.
Construir o muro na região é uma prioridade para o Departamento de Segurança Nacional (DHS, em inglês) porque é a zona mais usada para as travessias terrestres ilegais. Em novembro, mais de 23 mil pessoas, incluindo famílias com crianças, foram capturadas ao cruzarem sem autorização no Vale do Rio Grande em novembro, número três vezes maior do que no mesmo período do ano anterior.
Funcionários do DHS argumentam que um muro frearia as travessias e desmotivaria as famílias centro-americanas de tentarem migrar em direção aos EUA. A maioria dessas famílias busca asilo em razão da violência em seus países de origem e com frequência se entregam para agentes fronteiriços.
Com parte dos US$ 1,6 bilhão que o Congresso aprovou em março, a Agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP, em inglês) anunciou que construiria 40 quilômetros de muro ao longo da barragem de controle de inundações no condado de Hidalgo, que se estende ao norte do Rio Grande.
No local, o Congresso não permitiu a construção de nenhum dos protótipos de muro apresentados por Trump. No entanto, o governo planeja solicitar um muro de concreto na altura da barragem existente, com postes de aço a 5,5 metros acima dela. O CBP quer limpar uma área de 45 metros para criar uma “zona de controle” com estradas de acesso, câmeras e iluminação.
O governo acionou na Justiça a diocese católica no ano passado para que seus pesquisadores tivessem acesso ao local da capela La Lomita, fundada em 1865 e que era importante para missionários que viajavam a cavalo para o Vale do Rio Grande.
O local ainda é o epicentro da comunidade católica do Vale do Rio Grande, onde casamentos e funerais são organizados, assim como a procissão do Domingo de Ramos que atrai 2 mil pessoas. A capela fica perto do Rio Grande e está na área onde o CBP quer construir a “zona de controle”.
A diocese disse que se opõe ao muro fronteiriço porque a barreira vai contra a doutrina católica e a responsabilidade da Igreja em proteger os migrantes, assim como os direitos à liberdade religiosa garantidos pela Primeira Emenda da Constituição. Um grupo jurídico da Universidade de Georgetown se juntou à diocese no processo.
O padre Roy Snipes comanda uma oração toda sexta-feira para que sua capela não seja afetada. Com chapéu de caubói, batina branca e cruz de metal, é conhecido como o “padre vaqueiro” e às vezes vai de sua casa à capela de barco pelo Rio Grande. “Isso envenenaria a água”, disse Snipes. “Ainda seria um lugar sagrado, mas seria um lugar sagrado que foi profanado”.
Os cerca de 25 hectares da família Cavazos foram adquiridos pela avó de Eloisa há 60 anos. Eles alugam parte da propriedade para inquilinos que construíram pequenas casas ou compraram trailers, e cobram apenas US$ 1 mil por ano. Eles vivem dos lucros da terra e se preocupam que uma cerca desencoraje os inquilinos e sua propriedade volte a ser “terra de ninguém” novamente.
No resto da propriedade há celeiros de madeira, estábulos e um píer de madeira que vai até o rio, que flui tranquilamente em direção ao Golfo do México. O irmão de Eloisa, Fred, pode sentar-se no píer em sua cadeira de rodas e pescar com uma vara feita de junco tirado da margem do rio.
Os topógrafos examinaram a propriedade em dezembro com a ordem de uma corte federal. A família ainda não recebeu uma oferta pelas suas terras, mas seus advogados do Projeto de Direitos Civis do Texas esperam que uma carta com a oferta chegue nas próximas semanas.
“Todo mundo nos diz para vender e ir para um lugar melhor”, diz Eloísa. “Para nós este é o paraíso.”