Anton Chekhov não se cansava de aconselhar o colega escritor Maximo Gorki. Não era preciso ser tão rebuscado ao escrever, o dramaturgo russo dizia. Essa clareza pode ser comprovada na peça de Chekhov, O Jardim das Cerejeiras, que estreia nesta quinta-feira, 10, no Teatro Aliança Francesa.
Encenada pela primeira vez em Moscou, em 1904, a peça foi a última escrita por ele, e demonstrava a maturidade atingida em sua escrita, conta o diretor Eduardo Tolentino, também responsável pela tradução dessa montagem. “Aqui, podemos dizer que é um autor que domina todas as suas técnicas.”
Há 20 anos, o grupo aproximou-se da cultura russa com Ivanov, texto de estreia de Chekhov, escrito em 1887 – que deu origem a “arma de Chekhov”, um famoso princípio dramático: se no primeiro ato há uma pistola pendurada na parede, então, no último ato, alguém deve dispará-la. “O texto de Ivanov pedia mais soluções. Em muitas cenas, era preciso atribuir sentido. Não é o caso do Jardim. Acredito que, naquela época, um grupo de jovens jamais enfrentaria a última peça deixada por ele.”
Quando se fala na clareza do texto de Chekhov, é preciso considerar que a tradução do Tapa foge de uma tradição que rendeu ao Brasil grande parte do acervo de textos dramatúrgicos em português. “Muitos textos seguem um beletrismo francês que chega até nós com certa afetação. As falas soam estranhas aos próprios personagens.”
Diferentemente do drama de As Três Irmãs, O Jardim das Cerejeiras foi concebido como uma comédia, com tons de farsa. O texto é uma gestação da Revolução Russa de 1917, e em quatro atos, o autor parece posicionar as peças responsáveis pelas mudanças sociais que viriam. Na história, o público acompanhará o casarão de uma família aristocrata em decadência. A proprietária das terras, interpretada por Clara Carvalho, sofre duplamente, pela morte recente do filho e pela separação com um ex-marido que lhe levou todas as economias e a trocou por outra mulher. “Há um humor da condição de todos”, conta a atriz. “Que só nomes como Woody Allen conseguem fazer hoje.”
A solução proposta para saldar as dívidas, vinda do capitalista interpretado por Sergio Mastropasqua, é a venda do bonito cerejal em lotes para a construção de casas de veraneio. Ele tenta convencer a família de que o interesse de muitos no terreno é o que salvará a todos da ruína. Há também as filhas da latifundiária, um intelectual que corteja uma das irmãs, e Fiers, o velho servo no papel de Guilherme SantAnna. Ao todo, são 14 atores em cena. “Todos as figuras estão revisando suas posições nesse mundo em transformação”, aponta Clara. “O servo, por exemplo”, acrescenta Tolentino. “Relembra que havia ordem nas relações de hierarquia, com os senhores. Fora daquilo, ninguém sabia ainda como viver.”
Assim como a família, o publico ficará na expectativa do leilão do Jardim, que simboliza uma potência quase dormente, um pretexto que revela o ridículo dos personagens. O jovem intelectual lembra que o cerejal tem sangue em suas raízes, já que foi cultivado com trabalho escravo. “Não se trata de um lote produtivo ou que parou de dar lucro. A resistência em lotear o terreno é mais pelas lembranças, pela nostalgia que o jardim oferecia. Pela inutilidade de toda aquela beleza”, diz o diretor. Ele afirma que a relação das personagens também lembra Sartre. “Cada um é o inferno do outro, seja a mãe para o ex-marido, ou intelectual para a mãe.”
Para quem ainda não iniciou a temporada 2019, o palco do Grupo Tapa é oportunidade para testemunhar um baile cheio de figuras ricas e bem vestidas que dançam para que o futuro de suas vidas passe a andar para trás.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.