Integrando a programação paralela da exposição Biblioteca à Noite, o Sesc Paulista exibe nesta quarta-feira, 9, Fahrenheit 451, de François Truffaut.
É curioso como obras podem se reatualizar ao longo do tempo. É o que acontece com essa ficção científica que o diretor francês adaptou do romance de Ray Bradbury em 1966. De fato é uma distopia, como costumam ser as obras de ficção científica com viés político. As mais famosas, além de Fahrenheit, são 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.
Escrita por Bradbury em 1953, durante o período macarthista, Fahrenheit 451 fala de uma curiosa forma de controle social que consistiria em queimar obras literárias, de modo que não pusessem ideias perigosas na cabeça das pessoas. O título indica a temperatura, na Escala Fahrenheit, em que o papel dos livros entraria em combustão. Equivale a 233 graus na escala Celsius, a que usamos.
Esse tipo de história, como a de Bradbury, costuma surgir em momentos em que a livre circulação de ideias passa a ser questionada. Sabe-se hoje do estrago que a caça às bruxas na época do senador Joseph McCarthy produziu na cultura americana, em particular no cinema. Muita gente perdeu o emprego, outros tiveram de trabalhar sob pseudônimo, como Dalton Trumbo, outros envolveram-se em processos de delação e carregaram a pecha de dedos-duros vida afora, como foi o caso do cineasta Elia Kazan. Tudo isso porque o governo americano da época entendeu que era lícito perseguir pessoas por supostas ideias ou simpatias comunistas, considerando-as como “atividades antiamericanas”. Tudo se deu no contexto da Guerra Fria, no embate militar e sobretudo ideológico entre as duas superpotências de então, Estados Unidos e União Soviética.
No filme de Truffaut vemos uma equipe de bombeiros que cumpre função inversa à da tradicional corporação. Em vez de apagar incêndios e salvar vidas, os bombeiros de Fahrenheit usam seus lança-chamas para reduzir a cinzas qualquer material impresso que possa provocar ideias em seus leitores. Um desses bombeiros, Montag (Oskar Werner) começa a duvidar de sua missão ao conhecer uma mulher que passa a conversar com ele. Quem assistir ao filme vai saber da criativa forma de resistência encontrada pela parte da população amante dos livros. Embora não acredite em spoiler num filme feito há 52 anos, deixo na sombra a revelação desse “segredo”.
Basta dizer que esse lindo filme de Truffaut é um libelo em favor da liberdade e vê no livro o depositário privilegiado da cultura. A leitura pode nos tornar mais humanos, mais capazes de empatia com nossos semelhantes, mais críticos e aptos a decodificar e questionar as tramas do poder. Por isso é indigesta aos poderosos. Em especial àqueles pouco seguros de si, temerosos de que alguma criança possa um dia apontar-lhes o dedo e dizer: “O rei está nu”.
Aliás, a frase famosa faz parte da fábula A Roupa Nova do Rei e está num livro de Hans Christian Andersen, perigoso subversivo que viveu na Escandinávia no século 19.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.