Durante algum tempo as séries e filmes feitos para canais a cabo e plataformas digitais foram alvos de preconceito: seria aquilo cinema?
O jogo virou quando um peso-pesado como David Lynch lançou a série Twin Peaks na Netflix e obrigou cinéfilos fundamentalistas a assinar o serviço para ter acesso aos episódios. Com sua linguagem onírica e visual arrebatador, Twin Peaks conquistou até mesmo a ortodoxa revista Cahiers du Cinéma, que o considerou o melhor filme de 2017.
Veio também da França a maior reação aos avanços do streaming. O Festival de Cannes não aceita filmes produzidos para plataformas digitais. Recusada, a Netflix foi convidada pelo concorrente de Cannes, o Festival de Veneza. Roma, de Alfonso Cuarón, acabou levando o Leão de Ouro. A Balada de Buster Scruggs, dos irmãos Coen, outra produção Netflix, ganhou o troféu de roteiro no festival italiano.
Os exemplos de qualidade no streaming se multiplicam. Um talento ainda jovem do cinema italiano, como Alice Rohrwacher, lançou na Netflix seu Lazzaro Felice, alegoria política que tem conquistado crítica e público. A Amiga Genial, série adaptada da obra do bestseller de Elena Ferrante pelo diretor Saverio Costanzo, foi lançada em oito episódios pela HBO e vem chamando a atenção por detalhes como fidelidade ao romance original, uso do dialeto napolitano e bom elenco.
Muita gente entende que o cinemão tradicional se tornou óbvio e infantil demais, deixando órfão o público adulto. Essa lacuna foi preenchida pelas séries, com roteiros mais contundentes e menos maniqueístas, que contemplam a ambiguidade moral humana. Aquela que é considerada a “série das séries”, A Família Soprano, está completando 20 anos.
Hoje, o que se discute não é mais a possibilidade de se encontrar cinema de alta qualidade nas plataformas digitais. A discussão é se estas vão canibalizar as salas de cinema ou se os dois sistemas de exibição podem conviver. A ver os próximos capítulos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.