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Javier Cercas explora a ambiguidade familiar no romance ‘O Rei das Sombras’

Por Estadão Conteúdo
Publicado em 05/01/2019 às 07:40
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Um retrato de família assombrou, durante anos, o escritor espanhol Javier Cercas. Nele, aparece um jovem soldado com cara ainda de menino, vestindo uma vistosa farda. Era a imagem de Manuel Mena, tio-avô do autor que, em 1936, quando da explosão da Guerra Civil Espanhola, uniu-se ao exército do general Franco. Dois anos depois, Mena morreu durante o combate da batalha do Ebro e, durante décadas, foi o herói da família.

Pouco se sabia, no entanto, sobre os vestígios deixados pelo rapaz, apenas que lutou por uma causa injusta e morreu do lado errado da história. Por conta disso, Cercas relutou durante anos em investigar a história, ainda que vivesse assombrado pelo espectro do parente. Até que, ao notar que os últimos remanescentes da família que poderiam trazer detalhes sobre Mena estavam envelhecendo, o escritor assumiu a tarefa e, depois de várias pesquisas, escreveu O Rei das Sombras (Biblioteca Azul), um de seus melhores romances sem ficção.

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Em tom confessional (exemplarmente traduzido por Bernardo Ajzenberg), Cercas conquista o leitor com suas dúvidas – ciente de que a ambiguidade é necessária para se contar uma grande história e que ela permite ao leitor acrescentar dados à trama com sua imaginação, Cercas partiu de questões em busca de algumas respostas: Mena foi um fascista cuja memória é uma infâmia ou foi um jovem idealista que lutou do lado errado da guerra?

Além do perfil de seu tio-avô, o escritor espanhol passa por um de seus temas favoritos, a fascinante faceta do heroísmo, que deixa cicatrizes incuráveis. Sobre o livro, Cercas respondeu, por e-mail, as seguintes questões.

Existe nesse romance uma mistura de violência e catarse?

É possível. Violência, sem dúvida: afinal, é em grande parte um romance épico, além de ser belicosamente antibelicista. E catártico também, na medida em que toda a literatura é, ou deveria ser: é um clichê dizer que a literatura é terapêutica, mas todos os clichês contêm uma parte da verdade (é por isso que eles são clichês). Nesse caso, tentei assumir minha herança franquista, a da minha família. Todos temos uma herança (pessoal e coletiva), uma boa e outra ruim. E todos nós sabemos o que fazer com o bom, mas o que fazemos com o mau? Nós escondemos, a disfarçamos, inventamos uma herança alternativa, menos incômoda ou mais agradável? Acredito que o que precisa ser feito é, em primeiro lugar, conhecer essa herança; e, depois, entendê-la. Compreender não significa justificar, mas recorrer às ferramentas necessárias, para não repetir erros cometidos por nossos antepassados. É o que tento neste livro, por isso pode-se dizer que é um livro catártico.

Por que demorou tanto para escrevê-lo?

Porque, contra tudo o que se acredita, a coisa mais difícil é escrever sobre o que está mais próximo de nós, sobre a nossa própria família e especialmente sobre a pior parte da nossa família. Sobre essa parte paira sempre uma espécie de névoa: não sabemos o que nossos antepassados fizeram nos piores períodos de sua existência, durante a guerra, por exemplo. A razão é que as pessoas que passaram por experiências terríveis não costumam falar sobre elas. E, claro, eles têm o direito de permanecer em silêncio, mas nós temos a obrigação de saber. Especialmente por uma razão: porque, se você conhece sua herança (especialmente sua pior) e a entende, pode dominá-la; mas, se você não sabe e não entende, é aquela herança que domina você, escravizando-o. Ao mesmo tempo, a literatura é o que converte o particular em universal – o que acontece a uma pessoa acontece a todos nós – e eu não sabia como tornar universal a história do “herói” da minha família, um jovem de um povoado muito humilde da região mais humilde da Espanha chamado Manuel Mena. O que o livro deve mostrar é que, ao longo da história, houve milhões de Manuel Mena, jovens idealistas que vão para a guerra acreditando que salvarão o mundo e acabam percebendo, se a guerra lhes dá tempo para isso, que os adultos os enganaram, que eles foram alvo de uma imensa fraude. O livro também fala sobre como as melhores pessoas podem cometer os piores erros. E vale a pena apostar na vida e até mesmo perdê-la, pelas coisas nas quais acreditamos, mesmo que o tempo acabe dizendo que essas coisas não estavam certas e que estávamos do lado errado da história.

Por que você decidiu ter dois narradores tão diferentes?

Porque achei que o livro precisava deles. Ele precisava ter, de um lado, um narrador muito frio, objetivo distante, que conta a história de Manuel Mena, da minha família e do meu povo durante a guerra (sempre com uma citação de Tolstoi em mente: “Pinte sua aldeia e pintarás o mundo”); e eu precisava colocar alguma distância entre mim e a história contada, que eram coisas muito difíceis como a responsabilidade da minha família nos crimes cometidos na minha cidade durante a guerra. Também precisava de um narrador muito perto de mim, um narrador chamado Javier Cercas, que relatasse o processo de criar um romance, minhas perplexidades, minhas dúvidas, meus medos, entrevistas e viagens que fiz para escrever o livro – Ítalo Calvino disse que existem livros nos quais despir os mecanismos do livro, dizendo que o seu próprio processo de elaboração é quase uma obrigação moral. O Rei emerge do diálogo entre o presente e o passado, entre memória e história.

Então não existe uma luta entre memória e história?

Existe um diálogo. Memória e história não são incompatíveis: são complementares. Se queremos chegar à verdade, precisamos de ambos, cada um fazendo o seu trabalho no seu próprio caminho sem invadir o outro, como infelizmente acontece por vezes (em O Impostor, eu denunciava a sacralização da memória e o fato de que, nos últimos tempos elas parece invadir o campo da história, o que é uma má ideia, como o adiamento da memória em favor da história). De certa forma, se O Impostor era uma reivindicação da história contra os abusos de memória, O Rei das Sombras é uma reivindicação da memória, frente às insuficiências da história. Insisto: memória e história não são inimigos, mas aliados.

Em uma passagem importante do romance, você afirma que os mortos ainda estão presentes. Isso explica a influência sobre você de um parente distante que morreu há quase 80 anos?

Sim: os mortos não morrem completamente, porque vivem em nós. O que significa que nós também não vamos morrer. Nossos mortos são nossa herança: nós somos eles; e seremos a herança daqueles que ainda não nasceram: nós seremos eles. É estranho, mas é assim. E é melhor saber.

O REI DAS SOMBRAS

Autor: Javier Cercas

Tradução: Bernardo Ajzenberg

Editora: Biblioteca Azul (272 págs., R$ 49,90)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Tags: javier cercasliteraturao rei das sombras

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