Sempre houve algo nas mãos de Thiago Espírito Santo capaz de fazer o chão tremer. O baixo, de repente, rompia a condição de figurante e assumia o primeiro plano movido mais por um instinto que não se aquietava em padrões do que pelo ego de quem quer ser algo antes do tempo. Quem conhecia o baixista Jaco Pastorius poderia imaginar de onde o garoto saía. A posição da mão direita, o ronco dos graves, o walkin’ bass tirando tudo do lugar. Havia algo de Pastorius ali, mas só isso não o sustentaria. Vinte anos depois, Thiago, 38, se firma como um dos maiores instrumentistas do País vencendo as sombras que poderiam amedrontá-lo.
Seu novo disco, Pra te fazer sonhar, o sétimo álbum de carreira, traz a atmosfera do compositor, mais do que a do improvisador, com uma música carregada pela própria vida. “Quis fazer um álbum não para músicos, mas para a própria música.” A frase pode parecer retórica, mas está no centro de uma ideia importante. A música instrumental segue por um caminho sensível, resvalando no objeto de culto de estudantes de um lado e na conquista de corações leigos do outro. Sua composição parece ser sempre uma canção, mesmo sem letra, mas com uma emoção narrada por uma história. E cada canção, outro desafio, é uma história que será contada no show de hoje (4), no Sesc Pompeia.
Fogo Baixo, Chapa Quente é uma expressão que o pianista Laércio de Freitas usava quando frequentava a casa de seus pais. Seus pais, por sinal, são a pianista Silvia Goes e o também baixista Arismar do Espírito Santo – um peso que poderia estar em seus ombros ainda hoje. “Quando comecei a tocar, dos 14 anos aos 16 anos de idade, eu não usava o sobrenome Espírito Santo. Preferia Thiago Goes. Não tinha coragem de ser um baixista sendo filho do meu pai.” O tempo fez o seu trabalho. “A opinião das pessoas é só a opinião das pessoas. Nós é que damos o peso a elas. Demorei anos para filtrar isso, mas consegui.”
Fogo Baixo é também uma homenagem a Filó Machado, o cantor e compositor que aparece fazendo algo que faz tão bem quanto suas melhores composições. Filó vocaliza cantando a melodia sem palavras, como se estivesse improvisando, e com um suingue
irresistível. Na bateria desta faixa, um dos tótens de Thiago, o baterista Robertinho Silva. E em várias outras, quem leva sua cozinha são o baterista Cuca Teixeira e o pianista Bruno Cardozo, pessoas para as quais Thiago chegou a trabalhar como roadie (responsável pelos instrumentos). “Eu fazia isso porque queria ver os shows deles mas não tinha dinheiro para pagar a entrada.”
Pra te fazer sonhar é um tema para a filha, Luisa, uma canção que só foi concluída onze meses depois da primeira ideia. Uma melodia conduzida pelo baixo, mas sem improviso, cheia das delicadezas que tinham de fazer justiça à voz da pequena chamando pelo pai na gravação. Giselle, o tema, é para a mulher, uma nova balada feita agora no baixo fretless e com a gaita do suíço Gregoire Maret.
Thiago pensou em fazer um disco cheio de imagens, que funcionasse como uma trilha sonora. A experiência de dirigir os músicos em estúdio o fez explorar ideias visuais para que eles chegassem juntos a um mesmo resultado. Pé na Areia, por exemplo. Em vez de brifar seus companheiros (o saxofonista e clarinetista Nailor Proveta e o trompetista Walmir Gil, no caso, dois feras) dizendo que iriam tocar um samba em uma determinada tonalidade, Thiago os desafiou: “Sabe quando você chega ao litoral e a primeira coisa que quer fazer é botar o pé na areia? Sabem aquela sensação do pé na areia? Eu gostaria que sentissem isso ao tocarem essa música.” Os ídolos e os pais não precisam ser enterrados pelos discípulos que buscam a tal liberdade criativa. Eles estão em Thiago o tempo todo, o suficiente para fazê-lo ser quem desejar ser.
Thiago Espírito Santo.
Com Filó M, Robertinho Silva, Walmir Gil, Nailor Proveta e Arismar.
Sexta-feira, 4, 21h. Sesc Pompeia. R. Clelia, 93. R$ 9 a R$ 30. 3871 7700
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.