O ecólogo Alex Bager já se acostumou com os olhares de desconfiança toda vez que afirma que cerca de 475 milhões de animais por ano morrem atropelados, em média, em rodovias e estradas do Brasil. É uma estimativa, mas com base em estudos científicos e relatos que vêm sendo coletados nos últimos anos. Recentemente, ele testemunhou uma situação “inimaginável”, que agora o ajuda a ilustrar a estatística.
O pesquisador da Universidade Federal de Lavras (Ufla) dirigia pelo Piauí quando viu um cachorro do mato atropelado. Como tem feito nos últimos meses, ele encostou o carro para registrar a ocorrência. “Era uma estradinha no meio da caatinga, não tinha acostamento, então só consegui parar uns 300 metros para frente. Voltei andando até o cachorro e contei no caminho 101 anfíbios atropelados. Eles são tão pequenos que a gente não vê. Imagina quantas dezenas de milhares posso estar perdendo na viagem?”
Desde agosto, Bager roda pelo País em busca da fauna nativa atropelada, principalmente no entorno de unidades de conservação ou em estradas que cortam esses parques. É a Expedição Urubu na Estrada, desenhada para percorrer cerca de 25 mil km em um ano e tornar mais evidente um problema que muitas vezes passa despercebido, como os sapinhos do Piauí.
Para conseguir cumprir um trajeto tão grande, sozinho, em apenas um ano, Bager definiu como metodologia anotar as informações de todos os animais de médio e grande porte que encontrar atropelados no caminho. “Minha velocidade de monitoramento é de 80 km/h e eu registro tudo que for de tatu para cima”, explica.
Urubu map
A perda de animais de médio e grande porte representa a menor parcela dessas mortes – apenas 10%. A maioria das vítimas são pequenos vertebrados, como sapos, pequenas aves e cobras. O pesquisador coordena o Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), da Ufla, e desde 2014 gerencia o Sistema Urubu, uma plataforma colaborativa por meio da qual é possível pelo celular enviar informações sobre animais atropelados em rodovias ou ferrovias. O registro é enviado a um banco de dados e classificado. As informações, depois de checadas, passam a integrar as estatísticas e compor o urubu map.
O trabalho já rendeu pesquisas. Uma delas revelou que mais de 80% das unidades de conservação do País sofre com algum tipo de impacto de rodovias e ferrovias. Daí a ideia de ver, in loco, esses impactos durante a expedição.
Além de fazer o monitoramento, Bager também tem feito um trabalho com os gestores das unidades, com a população local e até com condutores de turismo. O objetivo é tentar criar, com base nos resultados, estratégias e políticas para evitar os atropelamentos, como a criação de pontes vegetadas para a passagem dos animais, e a colocação de sinalizadores na pista que façam barulho e afastem os bichos.
Cachorro-do-mato
Bager conta que apesar de o monitoramento ainda estar na metade, já foi possível notar algumas características marcantes dos atropelamentos. Cachorros-do-mato (Cerdocyon thous) são as principais vítimas – representam 73% dos registros feitos pelo pesquisador. A espécie é carniceira e oportunista. Vai para a pista quando tem um outro animal atropelado e acaba sendo pega também. É uma situação parecida com o urubu, outro bicho que frequentemente é visto nas rodovias morto – daí, aliás, de onde vem o nome do aplicativo e da expedição. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.