Os técnicos estrangeiros estão dominando o tênis de alto rendimento do Brasil. Dos oito melhores do País em simples, seis contam com treinadores de outros países. As exceções são os duplistas Bruno Soares e Marcelo Melo, campeões de Grand Slam, que seguem trabalhando com compatriotas.
A opção por estrangeiros não é algo recente. Dois dos principais tenistas do Brasil, Gustavo Kuerten e Fernando Meligeni, por exemplo, contaram com estrangeiros por breves períodos em suas carreiras. Mas a presença deles vem aumentando nos últimos anos. Thiago Monteiro (atual 123.º do mundo), Rogério Dutra Silva (165.º) e Thomaz Bellucci (242.º), os três primeiros brasileiros do ranking de simples masculino, têm parcerias com técnicos de outros países. E até treinam fora do Brasil. Os dois primeiros estão na Argentina e Bellucci se mudou para os Estados Unidos neste ano. No feminino, as duas melhores brasileiras – Beatriz Haddad Maia (187.ª) e Carolina Alves Meligeni (365.ª) – também trabalham com estrangeiros.
Na opinião de Gustavo Kuerten, a opção se justifica porque a formação de treinadores ainda é um gargalo no tênis brasileiro. “Acho que conseguimos evoluir imensamente na parte embrionária, que é o professor. Ali no início do processo melhoramos muito o nosso tênis. E agora estamos conseguindo trabalhar em equipe para deslocar estes professores para um projeto de alto rendimento”, avaliou o tricampeão de Roland Garros, em entrevista ao Estado.
Apesar disso, o ex-número 1 do mundo e tenistas e técnicos ouvidos pela reportagem acreditam no alto nível dos treinadores do País. A dificuldade, na avaliação deles, está na quantidade ainda insuficiente de profissionais para atender as demandas do alto rendimento dos atletas brasileiros. “Temos bons treinadores no Brasil. Mas são poucos. Temos que ter maior escala”, disse Guga, que trabalhou com Larri Passos durante a maior parte de sua carreira.
Para Bellucci, cujo atual treinador é o espanhol Germán López, faltam opções no mercado nacional por conta da pouca rodagem em nível mundial. “Existem muitos técnicos bons no Brasil. Mas sem tanta experiência no circuito. É difícil para jogadores como nós pegar um treinador que ainda está aprendendo”, comentou o dono de quatro títulos de nível ATP. “No Brasil, tem muita pouca gente que trabalha com tênis. Este é o principal diferencial. Aqui os profissionais competentes são poucos e isso compromete um pouco”, disse Guilherme Clezar, atual 251.º do mundo.
O último brasileiro a embarcar em uma experiência internacional é Thiago Monteiro. Em agosto, ele trocou a academia Tennis Route, no Rio de Janeiro, pela Academia Blengino Tênis, em Buenos Aires. Saiu o técnico Duda Matos e entrou o argentino Fabian Blengino na vida do atleta brasileiro. “Foi uma questão de motivação, de buscar ouvir coisas novas, outras experiências. Sentia que precisava de uma mudança para alcançar um outro nível”, explicou.
Apesar do domínio recente dos estrangeiros, o técnico brasileiro Leo Azevedo faz avaliação positiva dos seus colegas. “Em termos de capacidade, o Brasil sempre teve um bom histórico de bons treinadores, como o Carlos Kirmayr e o Larri Passos”, disse Azevedo, que já trabalhou nos Estados Unidos e hoje está em Barcelona, ao citar um ex-tenista e o ex-técnico de Gustavo Kuerten. “Pode ser apenas que estejamos passando por um período de transição e daqui a pouco voltaremos a ter um bom número de treinadores”, apostou.
OPÇÕES DE CARREIRA – Para ele e para alguns dos principais tenistas do País, a busca por estrangeiros também se deve a questões mais práticas. “A principal causa disso é que a grande maioria dos tenistas do Brasil que param de jogar não estão virando treinadores. E tem a questão da quantidade. Na Argentina, por exemplo, eles aposentam 15, 20 jogadores enquanto nós aposentamos três ou quatro”, explicou Bruno Soares, que atua no circuito profissional com o técnico brasileiro Hugo Daibert.
As opções de vida profissional para um ex-tenista no Brasil também são maiores, na avaliação do duplista. “Nós temos mais opções pós-carreira do que na Argentina, por exemplo. Aí você imagina um tenista que viajou durante 20 anos ou mais por 35 semanas em toda temporada… Quando se aposenta, quer ficar perto da família, dos filhos. É de se entender a opção por não virar treinador”.
A carreira de técnico, na avaliação da número 1 do Brasil, Bia Haddad Maia, ainda é uma aposta de alto risco no País. “Precisamos melhorar a formação dos treinadores, mas é preciso se colocar no lugar deles. Quais foram as oportunidades que surgiram? Financeiramente vale a pena? Não é fácil abrir mão de sua academia, por exemplo, e sair pelo mundo com um atleta de 15 anos na expectativa de que ele vire o número 1 do mundo”, comentou a brasileira, que tem parceria com o treinador argentino German Gaich há dois anos.
Na opinião dos tenistas, a busca por treinar fora do País também tem uma justificativa prática: a presença maior de atletas de alto nível. “Na época em que eu, Bellucci e Rogerinho estávamos dentro do Top 100 do ranking, um treinava em Alphaville Barueri, outro estava em Santa Bárbara d’Oeste e eu estava no Rio”, disse Monteiro. “A distância era grande, para treinarmos juntos era muito complicado. Na Argentina, todo mundo está em Buenos Aires. Todos os treinadores conversam entre si, combinam treinos”.