Em Cannes, em maio, havia jornalistas inconformados porque Diamantino, da dupla Gabriel Abrantes/Daniel Schmidt, integrava a seleção da mostra paralela Semana do Crítica, e não a competição. Diamantino venceu o prêmio da Semana. Teria sido uma Palma de Ouro mais ousada e criativa que a de Assunto de Família, do japonês Hirokazu Kore-eda, que venceu o prêmio. Diamantino não é o que se chama de diamante bruto – é muito bem lapidado pela dupla de autores. E é um óvni, um daqueles filmes difíceis de classificar que, volta e meia, aterrissam num cinema perto de você para fazer a festa dos cinéfilos. Diamantino pretende ser uma sátira da fama. Está no topo da vida, da carreira, mas aí tudo começa a dar errado.
Ele comete um vacilo numa final de campeonato, tem duas irmãs ‘do mal que o usam para promover a extrema-direita em Portugal e afastar o país da comunidade europeia. E o filme ainda tem uma policial (negra), que se faz passar por garoto, e refugiado, para investigar o affair. O que ainda falta dizer para estimular sua vontade de ver o filme – uma coprodução franco/portuguesa/brasileira – que estreia nesta quinta, 20?
Ah, sim – Diamantino, o personagem, é interpretado por Carloto Cotta, o belo que substituiu Louis Garrel na preferência de todos os sexos e tendências de amantes da sétima arte. Cotta estrelou dois filmes de Miguel Gomes – Tabu e Mil e Uma Noites, mais o média de Eugene Green, Como Fernando Pessoa Salvou Portugal, que, a despeito da duração, talvez tenha sido o melhor filme da Mostra de São Paulo, em outubro. Em novembro, a dupla de diretores veio ao Brasil, mais exatamente, ao Festival do Rio. Encontraram – Abrantes e Schmidt – a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. Estavam felicíssimos com a acolhida internacional a seu filme. Só o fato de que se tenham encontrado – em 2006 – e vivam e produzam juntos já é um desses pequenos milagres da vida. Abrantes, português, foi estudar em Nova York numa escola gratuita, com bolsa de permanência – a Cooper Union for the Advancement of Science and Arts. Schmidt, muito bem-nascido, estudou numa escola de artes podre de chique, e cara. Seus caminhos se cruzaram, eles se identificaram e trabalham juntos.
Já que se trata de um óvni, a pergunta que não quer calar – Diamantino é o quê? Thriller, ficção científica, relato político? “Você nos diga, porque até agora também estamos tentando descobrir”, diz Abrantes. E Schmidt – “Independentemente do que seja, o que nos une é a convicção de que só o humor pode nos ajudar a entender o absurdo da vida, e do mundo.” Uma inspiração foi o ensaio do escritor norte-americano David Foster Wallace sobre o tenista Roger Federer. E, claro, o mítico Cristiano Ronaldo, atualmente na Inter, de Milão, com quem Carloto Cotta, de alguma forma, terminou por se assemelhar fisicamente. “Carlotto superou nossa expectativa. Além de ser um belo homem e um grande ator, sua dedicação ao personagem o levou a uma preparação física intensa.”
Embora a ideia inicial não fosse satirizar o mito do grande jogador, a persona de Cristiano Ronaldo terminou por projetar sua sombra sobre o filme. “Ele é hoje o maior ícone do país e sua trajetória tem aspectos que seriam particulares se não ocorressem aqui no Brasil também.
Cristiano veio de um meio pobre e ficou milionário com esse esporte que é o grande amor lusitano, o futebol. Sabíamos que a comparação seria inevitável”, disse Abrantes. Diamantino, o homem, tem no filme uma dimensão ingênua muito forte. É meio Forrest Gump, lembrando o personagem famoso de Tom Hanks no filme que Robert Zemeckis adaptou do livro de Winston Groom. Será um (outro) idiota? “Diamantino pode ser um ignorante, mas não é idiota. Preferimos vê-lo com um simplório”, diz Schmidt. E Abrantes, que chega um pouquinho atrasado para a entrevista, acrescenta – “Nosso interesse era criar um personagem basicamente simples, por meio do qual pudéssemos exercitar um olhar novo sobre temas da maior relevância. Veja que estamos abordando aqui a situação dos refugiados, que é hoje a maior tragédia da Europa.”
Na trama, Diamantino falha no que seria o gol de uma partida decisiva. Entra em crise, e para agravar participa de um programa de TV, no qual deve responder às perguntas da entrevistadora dizendo apenas ‘Sim ou ‘Não. É hilário, mas o melhor ainda está por vir. As irmãs autorizam que Diamantino seja submetido a um experimento genético com o objetivo de clonar seu gênio esportivo, mas que, na verdade, ‘feminiliza seu corpo. E é isso que promove sua aproximação da policial negra, pintada como lésbica no começo da história, e que vai se envolver com esse novo Diamantino, mais ‘feminino, menos ‘viril.
Justamente a trama ‘romântica de Diamantino termina por ser a homenagem dos diretores à grande tradição das comédias de Hollywood. “Acho que foi o que nos aproximou inicialmente. Ambos gostamos muito de Preston Sturges, de Leo McCarey, mas principalmente de Howard Hawks e de Bringing Up Baby/Levada da Breca no Brasil, seu clássico com Cary Grant e Katharine Hepburn”, conta Schmidt. “Atingir aquele timing foi algo a que nos dedicamos com empenho. Por toda parte temos tido uma resposta muito boa para o humor do filme. As pessoas se encantam. Mas não é humor pelo humor, só para rir. É a nossa forma de encarar a crise contemporânea.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.