Milhares de húngaros protestaram na segunda-feira, 17, contra o governo do primeiro-ministro, Viktor Orban, pelo quinto dia seguido. As manifestações, cujo estopim foi a reforma trabalhista que flexibiliza o pagamento de horas extras, agora pedem a independência do Judiciário e da imprensa. No poder desde 2010, Orban centralizou o poder ao nomear juízes e ampliar o controle sobre a imprensa, provocando críticas na União Europeia.
No protesto de ontem, os manifestantes exibiram faixas contra o partido de Orban, o Fidesz, e pedindo que os meios públicos de comunicação abandonem a propaganda pró-governo. No domingo, mais de 15 mil húngaros tomaram as ruas de Budapeste em meio a temperaturas abaixo de zero, na maior demonstração de rechaço a Orban em oito anos.
A reforma trabalhista proposta pelo premiê, que ganhou o apelido de “lei da escravidão”, prevê que o trabalhador faça até 400 horas extras por ano, mas será pago por elas em até três anos. Outra lei que irritou os húngaros consiste na criação de um sistema judicial paralelo que, segundo críticos, acabaria com a independência do Judiciário.
“Os protestos dos últimos dias são bastante significativos. Eles foram desencadeados pela ‘lei da escravidão’, mas o objetivo das manifestações é muito maior que isso”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo o cientista político András Byró-Nágy, vice-diretor do Instituto Policy Solutions, de Budapeste. “Agora, eles abarcam a independência da imprensa e do Judiciário e condensam uma insatisfação geral contra o governo.”
Autoritarismo
Na noite de domingo, a tensão se agravou depois de um grupo de dez deputados da oposição, geralmente dócil a Orban, ocupar a sede da TV estatal e exigir espaço nas transmissões para falar de suas demandas. Eles foram expulsos pela polícia.
“A Hungria está numa rota cada vez mais autoritária e menos democrática”, acrescenta Byró-Nagy. “Muitas pessoas estão insatisfeitas com isso e não é só uma questão de pessoas irritadas por ter de trabalhar mais. Isso foi a gota dágua.”
As manifestações dos últimos dias são o primeiro sinal de repúdio à crescente concentração de poder nas mãos de Orban. Reeleito para um terceiro mandato em abril, ele enfrenta uma investigação da UE sobre o enfraquecimento do Estado de Direito no país – o que contraria as regras do bloco.
O premiê tem uma maioria de dois terços no Parlamento húngaro e a oposição é politicamente fragmentada em mais de uma dúzia de partidos. “Orban está arruinando os valores europeus”, disse a manifestante Anita Seprenyi.
Os partidos de oposição prometem emular os protestos dos “coletes amarelos” da França, mas o analista vê diferenças importantes. “Os protestos na França tem mais a ver com uma insatisfação da população com medidas específicas do governo”, diz Byró-Nagy.
No protesto de domingo, o deputado opositor Akos Hadhazy acusou a mídia estatal de ser o “coração do sistema que manipula a população”. Desde 2010, Orban ampliou os meios de comunicação do Estado e ajudou empresários simpáticos ao governo a comprar outros órgãos de imprensa que hoje reúnem centenas de veículos. Nessas publicações, o discurso unificado é culpar, sem oferecer provas, o bilionário húngaro-americano George Soros pelos protestos.
Suspeitas. Tanto o canal M1 quanto o jornal Hirado, os principais meios de comunicação públicos, publicaram reportagens sobre a influência de Soros nos protestos. “É um mecanismo muito similar ao utilizado por governos como o da Turquia e o da Rússia”, afirma Byró-Nagy. “Culpar o inimigo externo e, no nosso caso, o eleito foi George Soros.” A Open Society, ONG dirigida por Soros, negou envolvimento com os protestos. (Com Agências)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.