E Jacob criou Joel, Paulinho, Henrique, Izaías, seus chorões e toda uma linhagem de homens que tiveram filhos banhados em suas águas. Vieram Fabio, Hamilton, Henrique, Yamandú – e tudo leva a crer que outra geração chegará em seu nome, e depois outra. E outra. Seria bíblico se não fosse científico. Há cem anos, o homem que definiu as fronteiras elásticas do choro como linguagem nascia simbolicamente no bairro da Lapa, no Rio, filho de um capixaba, Francisco Gomes Bittencourt, e de uma judia polonesa, Raquel Pick. Alguém que jamais deixaria de buscar os melhores resultados em discos lançados entre 1947 e 1967, obcecado pelo acabamento, pela qualidade e pela limpeza estética, faria a maior escola em seu instrumento. O criador que tinha o bandolim como peça que ligava o mundo interior ao exterior com uma riqueza verbal das mais profundas não envelhece. “Ele deixou a discografia mais perfeita de um solista da música brasileira”, diz Henrique Cazes.
Cavaquinhista, violonista e pesquisador de música brasileira, Cazes é coprodutor do álbum Jacob do Bandolim 100 Anos – Sentimento e Balanço ao lado de Carlos Alberto Sion, que o Selo Sesc coloca às vistas neste final de ano. Um álbum de acabamento sublime, como gostava Jacob, e que promove um grande encontro entre linguagens de duas pontas geracionais do bandolim igualmente influenciadas pelo criador de Vibrações, Doce de Coco e Noites Cariocas. De um lado, Joel Nascimento, 81 anos, uma das últimas referências de sua era no choro. Do outro, Fabio Peron, de pensamento modernizador e desenhos ágeis, vigorosos, envolventes. As duas escolas ali, unidas por um homem que já tocava com uma das mãos na tradição e outra no que um dia seria objeto de desejo dos mais jovens: o virtuosismo. “Embora tivesse um discurso muito conservador, dizendo que a harmonia deveria ser sempre quadrada, ele mesmo não praticava isso”, diz Henrique. “Seu discurso, no final, era mais conservador do que a prática.”
Assim, a pureza de Jacob, pelas mãos de Joel e Fabio Peron, com o centro criado pelas sete cordas do violão de João Camarero (um próximo ás que as rodas já conhecem bem, um talento irrefreável), o pandeiro de Beto Cazes (irmão de Henrique), e músicos convidados, como o Silvério Pontes e Rogério Caetano (outro grande das sete cordas de aço), aparece em temas como Vibrações, Bola Preta, Por Que Sonhar?, Gostosinho, Doce de Coco, Dolente, Pé de Moleque e Noites Cariocas.
O coprodutor e diretor artístico Carlos Alberto Sion fala do que percebe ao liderar um projeto como esse: “Jacob imprimiu, com o bandolim criado por ele, um toque de qualidade na música instrumental brasileira do século passado tirando a ranço de ‘coisa de cabaré’ ou de ‘sarau dos elegantes da época’.” Sua identidade se forma, diz Sion, “por cultura e formação musical influenciada pela mãe europeia, que permitiu que o choro, hoje, fosse considerado, por seus inúmeros recursos de improvisação, o jazz brasileiro.”
Se era em discurso um conservador, Jacob não poupava riscos em suas composições. Quando uma nova safra de instrumentistas surge, há coisa de 15 anos, isso fica claro. Em nome do músico, eles levam as possibilidades do instrumento ao limite máximo. Hamilton de Holanda aproveitou o ano do centenário de Jacob e lançou logo uma caixa. Hamilton de Holanda toca Jacob do Bandolim traz quatro álbuns, Jacob Black, Jacob Bossa, Jacob Jazz e Jacob Baby. Os tradicionalistas que interpretavam os provérbios de Jacob do Bandolim literalmente podem acusar heresias. Os reformistas, jamais.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.