A Procuradoria-Geral de Justiça do Rio colocou o prefeito de Niterói Rodrigo Neves (PDT) no “topo de organização criminosa” supostamente montada para arrecadar propinas milionárias na área dos transportes públicos. Neves foi preso na manhã desta segunda-feira, 10, em ação da Operação Lava Jato promovida pelo Ministério Público do Estado e pela Polícia Civil do Rio.
O prefeito foi denunciado pelo procurador-geral de Justiça José Eduardo Ciotola Gussem, que requereu sua prisão. A acusação é subscrita também pelo subprocurador-geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos, Fernando Chaves da Costa.
A acusação descreve, inicialmente, a rotina instalada no Rio no governo Sérgio Cabral (MDB) em um setor sensível.
“Uma das mais poderosas vertentes do referido grupo delituoso se relacionava, como se relaciona, aos empresários do setor de transportes coletivos rodoviários no âmbito da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro – Fetranspor, entidade que congrega 10 sindicatos de empresas de ônibus responsáveis por transporte urbano, interurbano e de turismo e fretamento. Esses sindicatos, por sua vez, reúnem mais de duzentas empresas de transportes de ônibus, que respondem por 81% do transporte público regular no Estado do Rio.”
O procurador destaca que, aproximadamente, em abril de 2014, e até agora, em Niterói, Rodrigo Neves, o ex-secretário municipal de Obras e Infraestrutura, Domício Mascarenhas de Andrade, e os empresários do ramo de transporte rodoviário de passageiros Marcelo Traça Gonçalves, João Carlos Felix Teixeira e João dos Anjos Silva Soares “conscientes e voluntariamente, em perfeita comunhão de ações e desígnios, com animus societas sceleris, associaram-se, entre si, de forma estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagens financeiras mediante a prática sistemática de crimes contra a Administração Pública daquela municipalidade, em especial, dos delitos de peculato e corrupção ativa e passiva”.
O chefe do Ministério Público do Rio assinala que “a exemplo de outras organizações criminosas denunciadas pela Operação Lava Jato, os denunciados também se estruturaram em torno de núcleos”.
O “núcleo político”, diz a denúncia, é integrado por Rodrigo Neves e Domício Mascarenhas. “Em convergência com o empresariado do setor rodoviário, passaram a solicitar e receber vantagens indevidas e a desviar recursos públicos decorrentes dos sobreditos contratos de concessão de serviços de transporte público, em proveito próprio, com vistas a tutela dos interesses de tais agentes privados.”
Segundo a acusação, o “núcleo econômico” é “formado por executivos do setor de transporte coletivo em atuação no município niteroiense, que ofereceram e entregaram vantagens indevidas ao mandatário político e seu agente público de confiança”.
Tem, ainda, o “núcleo operacional”, composto por pessoas ligadas ao setor econômico, “responsáveis pela arrecadação e repasse de valores obtidos de forma espúria”.
O procurador-geral sustenta que “em seu núcleo político, no topo da organização criminosa, o denunciado Rodrigo Neves, valendo-se da posição de chefe do Executivo municipal, autorizou e credenciou Domício Mascarenhas a agir em seu nome junto ao empresariado do setor de transporte coletivo de passageiros para obtenção de vantagens econômicas indevidas calculadas na base de 20% sobre os valores, pagos pelo Poder concedente em favor das citadas empresas de ônibus consorciadas, concessionárias do serviço público, a título de reembolso da gratuidade de passagens, previsto para alunos da rede pública de ensino, pessoas idosas e portadoras de necessidades especiais”.
A denúncia afirma: “Em pleno curso do seu primeiro mandato como prefeito de Niterói, Rodrigo Neves reuniu-se pessoalmente com o empresário do setor de ônibus Marcelo Traça, presidente do Sindicato atuante naquela região (SETRERJ), de 2007 a 2017, ora também denunciado e que se tornou réu colaborador, com a finalidade de viabilizar um esquema de pagamentos periódicos de propina oriunda dos contratos de concessão de transporte coletivo, em forma de retorno financeiro em espécie, para que, em razão do cargo de chefia do Poder Executivo municipal, apoiasse projetos de interesse do setor rodoviário naquele Município, bem como para que incrementasse as atividades de combate ao transporte clandestino de passageiros e, desta forma, favorecesse a atividade econômica desempenhada pelo segmento empresarial de ônibus.”
Neves “se valia do aparelho burocrático governamental do Município, juntamente com o denunciado Domício Mascarenhas, para controlar a liberação dos recursos, pagos a título de gratuidade conforme previsão contratual, em favor dos supracitados consórcios contratados Transoceânico e Transnit, retardando propositalmente a liquidação das despesas e o consequente pagamento, como forma de pressionar os representantes legais das empresas de ônibus a repassarem os valores indevidos”.
Ainda de acordo com a acusação formal da Procuradoria, “para a consecução da empreitada delituosa, estável e duradoura, Rodrigo Neves, nos encontros que manteve com Marcelo Traça, indicou e credenciou o denunciado Domício Mascarenhas para tratar dos assuntos operacionais referentes à arrecadação de tais valores ilícitos”.
Os encontros de Neves aconteciam, pelo menos uma vez ao ano, preferencialmente ao fim de cada exercício financeiro, “em ambientes de alta gastronomia”, diz a denúncia.
O procurador-geral citou um desses encontros no dia 30 de dezembro de 2015, no restaurante Fasano, em Ipanema. “Tinham por objetivo estreitar os laços entre os agentes, acertar a liberação de pagamentos a título de gratuidade, bem como os correlatos retornos financeiros ilícitos e, ainda, reforçar a autoridade do denunciado Domício Mascarenhas perante aquele grupo econômico.”
“A partir disso, com autorização e aval do prefeito, diversas reuniões foram marcadas entre Domício Mascarenhas e o denunciado Marcelo Traça, nas quais também se faziam presentes os representantes dos consórcios das empresas de ônibus contratadas, ou seja, os denunciados João Carlos Felix e João dos Anjos, sempre com o fito de ajustarem a liberação dos recursos pagos pelo Município sob o título de gratuidade, cuja cota-parte espúria, tal como avençado, era revertida em favor do prefeito Rodrigo Neves, seja para enriquecimento pessoal, seja para financiamento dos próprios planos políticos de manutenção no poder”, segue a denúncia.
O procurador afirma que Mascarenhas, “deliberadamente engajado na estrutura hierarquizada da associação, sob a égide do atual prefeito de Niterói, exercia o papel de agente de confiança, sendo seu representante para acertar divergências alusivas ao pagamento de propina e arrecadar valores ilícitos, no caso, junto aos referidos empresários do ramo de transporte coletivo de passageiros”.
José Eduardo Gussem ressalta que “a relação de confiança e o estreito vínculo entre Rodrigo Neves e Domício Mascarenhas remontam de longa data e ultrapassam os corredores da prefeitura de Niterói”.
Relatório de Análise de Vínculos nº 120/2018, elaborado pela Divisão de Inteligência da Coordenadoria de Segurança e Inteligência do Ministério Público do Rio, aponta que Mascarenhas foi nomeado, em 13 de agosto de 2008, consultor especial para Assuntos Parlamentares junto ao gabinete de Neves, à época deputado estadual.
A nomeação ocorreu após a exoneração de David Mascarenhas de Andrade e Nascimento, sobrinho de Domício Mascarenhas, que ocupava o cargo desde janeiro de 2008.
“A cumplicidade entre Rodrigo Neves e Domício Mascarenhas ainda se revela a partir das nomeações deste para cargos de evidente confiança do chefe máximo do Poder Executivo, como os de secretário municipal Executivo, secretário municipal de Ações Estratégicas e Subsecretário Executivo da Prefeitura de Niterói, todas promovidas na gestão de Rodrigo Neves”, diz a denúncia.
O procurador-geral anota que Mascarenhas ocupa, na gestão de Rodrigo Neves, os cargos de conselheiro administrativo da Companhia de Limpeza Urbana de Niterói e de presidente do Conselho Gestor do Programa Estadual de Parcerias Público-Privadas (PROPAR) junto à Prefeitura de Niterói e ocupou, nos anos de 2015 a 2016, o de conselheiro de Administração da NITTRANS, sociedade de economia mista responsável pelo planejamento e gerenciamento técnico-operacional do sistema de transporte e trânsito e do sistema viário da cidade de Niterói. “O que também demonstra sua ingerência na consecução dos atos de ofício destinados à facilitação das atividades das empresas de ônibus.”
Defesas
Ao chegar à Cidade da Polícia, pela manhã, o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves afirmou: “Eu queria destacar que a gente, em Niterói, teve uma concorrência sobre transporte coletivo anterior à minha gestão. A concorrência foi na gestão anterior. Segundo, em 2013, a primeira decisão que eu tomei foi unificar as tarifas de Niterói pela menor tarifa. Se eu não tivesse feito isso, a tarifa de Niterói hoje seria mais de R$ 4,50, portanto, bem superior à tarifa atual. Nós cobramos muito o sistema de transporte, Niterói tem hoje o sistema mais organizado da região metropolitana com quase 90% da frota com ar condicionado, coisa que não acontece em nenhuma outra cidade do Rio de Janeiro. Nós contratamos uma auditoria da Fundação Getúlio Vargas, independente, para analisar o equilíbrio econômico financeiro do sistema de Niterói e a análise independente apontou o equilíbrio econômico financeiro que as tarifas, inclusive, de Niterói eram tarifas equilibradas e que em 2018, portanto, não deveria haver aumento. Nós não concedemos aumento. Eu realmente estou perplexo, perplexo, absolutamente perplexo. Eu trabalho desde os 18 anos de idade, tenho 20 anos de vida pública. Eu não tenho bem, não viajo para o exterior. Tenho 3 filhos lindos e eu fecho minhas contas como qualquer cidadão de classe média. Vivo num imóvel muito simples que as pessoas sabem em Niterói. Realmente me estranha muito este tipo de ocorrência. Respeito, evidentemente, as instituições, mas eu fui o único prefeito reeleito na região metropolitana do Rio com quase 65% dos votos. Eu não sei nem quais são as acusações, não sei nem quais são.”
O prefeito rechaçou as suspeitas de recebimento de propina. “Imagina. Imagina, gente”, disse. “Se vocês verem a minha conta, meu sigilo fiscal está aberto, meu sigilo telefônico está aberto. Não tenho nenhuma relação com esse cidadão.”
A reportagem fez contato com a prefeitura de Niterói e com o Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro, mas ainda não obteve retorno. O espaço também está aberto para manifestação dos outros citados.