O sol ainda não tinha raiado quando os primeiros “coletes amarelos” começaram a chegar neste sábado, 8, no local designado para a manifestação em Anthy, cidade francesa com pouco mais de 2 mil habitantes no Departamento da Alta Saboia, na região de Auvérnia-Ródano-Alpes . O preço da gasolina, que motivou o início de protestos como esse há um mês, justamente no interior, já não é um tema no grupo. Hoje, há reivindicações heterogêneas de um público, pelo menos em Anthy, bastante homogêneo.
Antes de gritar contra o presidente Emmanuel Macron, os 4ºC do final do outono exigiam que fogueiras fossem acesas. Num outro canto, croissant, baguete e outros produtos locais eram trazidos. Dentro de uma barraca, uma senhora preparava café quente e chá para os manifestantes.
“Essa aqui é nossa aldeia gaulesa”, explica Nadège Leyglene, numa referência às histórias de Asterix, o símbolo de uma França autossuficiente e, claro, soberana e nacionalista. No ano passado, Macron polemizou ao criticar cidadãos que se recusavam a aceitar reformas, alertando que os franceses eram “gauleses refratários”. “Bom, se Macron disse que somos gauleses, montamos então nossa aldeia”, ironiza Nadège, vestindo um gorro com chifres.
Longe de Paris, a reportagem acompanhou o dia de manifestação no interior da França, base original do movimento que já chegou a todos cantos do país neste sábado, houve mais de mil prisões e dezenas de feridos. Na Alta Saboia, uma das áreas mais conservadoras do país, várias foram os pontos de ação dos “coletes amarelos”. Um dos locais escolhidos foi uma rotatória com intenso movimento aos pés dos Alpes. Conforme os carros circulavam, a ordem era de não impedir a passagem, mas garantir que o movimento chamasse a atenção. Muitos motoristas faziam sinais de apoio, buzinando ou entregando frutas.
Entre os cerca de 80 manifestantes, duas eram as palavras mais repetidas para explicar o motivo pelo qual estavam ali: a “raiva” contra a elite no poder e a “decepção” em relação aos partidos tradicionais. S e o movimento começou para frear a ideia de uma elevação de impostos sobre os combustíveis, quatro semanas depois, a reivindicação é bem mais ampla. “O que queremos é ter garantias de chegar ao final do mês”, explica Nadège, espécie de síndica da aldeia.
Entre suas reivindicações está uma alta dos salários, redução de impostos e o fim dos privilégios para a classe política, além da criação de um sistema de consultas populares.
Enquanto mantinha acesa uma fogueira em um dos cantos do acampamento improvisado, Augustin não escondia sua decepção. “Como é que podemos trabalhar toda a vida para uma aposentadoria de 700 (R$ 3,1 mil)?”, questiona. “Quem é que consegue viver com isso?”.
União Europeia
Para Marc, policial aposentado, é preciso mudar as leis para que a população possa ser consultada em assuntos como o casamento entre homossexuais e impostos. Marc acredita que um general como presidente seria uma solução. “Não para pôr os tanques nas ruas. Apenas para que seja alguém que tenha o sentido de servir ao país e uma visão estratégica”, justificou. Ele reclama do “totalitarismo imposto pela União Europeia”. “Não há mais soberania”, lamenta.
O policial aposentado colaborou com o partido de extrema direita de Marine Le Pen e recusou a associação da legenda ao fascismo. “Esse é um partido que terá uma votação ainda maior em 2019, nas eleições para o Parlamento Europeu”, diz. Ele garantiu, no entanto, que no movimento não existe apenas eleitores de direita.
Oficialmente, o movimento não tem filiação com partido político, nem sindicatos. Entre os manifestantes, apenas o primeiro nome costuma ser usado para se identificar. São pequenos comerciantes, agricultores, profissionais liberais e um número expressivo de aposentados. “Isso é algo espontâneo do povo”, insiste Nadège. Na aldeia, a reportagem não encontrou nenhum imigrante árabe ou negro. Havia poucos jovens.
Nas rodas de conversas, o assunto variava entre as críticas à cegueira de Macron diante do movimento e comentários sobre quanto se gastava para manter os privilégios dos políticos. “Vocês viram que gastaram 400 mil (R$ 1,7 milhão) para trocar o carpetedo Eliseu?”, diz um. “E os gastos com motoristas?”, rebate outro.
Não faltavam ainda comentários sobre a UE. “Esse é um projeto americano para impedir que as nações europeias possam ser fortes”, dizia um aposentado. Não eram poucos os que ainda elogiavam a “coragem” do Reino Unido em deixar o bloco econômico. “Eles sabem que, a partir de agora, a UE vai massacrar as nações e, por isso, saíram antes”, pontuou Marc.
Entre os manifestantes, um deles ainda usava um adesivo da campanha para garantir a independência da Saboia. “Se quisermos, amanhã podemos nos separar da França. Mas estamos trabalhando sem fazer barulho”, contou o francês que deu apenas seu apelido: Garfield. “É pelo meu bigode”, explicou.
Muitos ainda questionavam a “injustiça” de recair neles a conta a ser paga por uma transição energética para dar uma resposta às mudanças climáticas. A ideia preponderante aqui é que essa conta precisa ser assumida por aqueles com mais recursos e grandes fortunas, e não pelos pequenos produtores. Expressões como “mundialismo” e “cultura internacionalista” justificavam a queda no poder aquisitivo.
Em grupos fechados no Facebook, o movimento tem organizadores que convocam reuniões, apresentam projetos e listas detalhadas das reivindicações. Na maioria das vezes, esses perfis não têm rosto e são ilustrados apenas pelas cores da França ou símbolos nacionais.
Para um movimento que afirma ser espontâneo, a organização é impecável. Uma espécie de cabana foi montada, com alimentos e material para o protesto. Ao lado, duas galinhas foram trazidas com a missão de botar ovos. Uma delas foi batizada de Brigitte, nome da mulher de Macron. Em um anexo, um quarto foi erguido, com duas camas para quem quiser descansar. Não faltam ainda bandeiras da França e cartazes pedindo a renúncia de Macron. Num dos acessos à rotatória, um boneco do presidente permanece enforcado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.