Marcos Mendes de Matos Valente, de 25 anos, pediu emprego para um vizinho 24 horas depois de matar Géssika Sousa dos Santos, de 27, e abandonar o corpo dela na Praça do Trabalhador, no Setor Norte Ferroviário, a poucos metros da Rodoviária de Goiânia, no dia 29 de outubro de 2018, uma segunda-feira.
O desemprego seria, para os amigos, a causa do sumiço de Marcos no mês de novembro. Mas ninguém imaginava que, na verdade, Cunha, como é conhecido, protagonizaria um dos casos policiais mais assustadores do ano em Goiás e desafiaria a Polícia Civil a conseguir desvendar o mistério.
Além de espancar, esfaquear e atingir Géssika com uma pedra que usava para encostar a porta do quarto, Marcos ainda abandonaria o corpo em um dos lugares mais movimentados de Goiânia por volta de 20h do mesmo dia que a matou. O corpo foi encontrado por pessoas que passavam pelo local, mexido dentro da caixa e filmado no início da manhã de 30 de outubro.
Marcos veio há seis anos do município de Jaciara, com quase 12 mil habitantes, a 579 km da capital. Queria trabalhar, estudar e se divertir em festas de música sertaneja. Na cidade grande, procurou um amigo de infância.
Arthur Gonçalves Nogueira, de 28 anos, há um ano, cedeu um quarto para Marcos. “Ele dividia o aluguel de R$ 750, mas nos últimos meses estava desempregado”, conta, algemado, entre uma entrevista e outra para emissoras de televisão na sala em que prestaria depoimento para uma escrivã após a prisão no dia 3 de dezembro, 33 dias depois de Marcos matar a jovem.
Arthur, estudante universitário e funcionário de uma empresa de Telemarketing, é suspeito de levar o corpo da jovem para a Praça do Trabalhador com Marcos. “Estamos em choque. Não acreditamos que ele tenha sido capaz disso”, defende uma colega de trabalho. “Ele é o melhor da nossa equipe. Sempre foi o melhor”, sustenta.
“Um estudante exemplar”, comenta um professor, pedindo para não ser identificado. “Não acreditamos na participação dele”, defende.
Vestido com a camiseta do Saint Germain, o pouco do cabelo que restava em Arthur estava arrepiado depois de ele acordar com gritos de “polícia, polícia” e barulho da porta sendo arrombada antes de o celular despertar.
O vão da calvície deixava o suor de nervosismo de Arthur mais à vontade enquanto negava participação no crime ao repórter Lucílio Macedo, da TV Serra Dourada e Arianne Cândido, da Record TV.
Com olhos assustados, Arthur não soube responder o que fazia no dia do crime. “No trabalho, talvez na faculdade”, disse, trêmulo.
Encontro marcado
Marcos teria se encontrado pela segunda vez com Géssika após conhecê-la no Badoo, um aplicativo de relacionamentos, no intervalo de uma semana. Ela chegou à casa de seu assassino às 9h do dia 29 de setembro.
Após suposto sexo, Géssika teria quebrado o celular de Marcos porque viu conversas dele com outras mulheres por volta de 11h. “Eu dei um murro no rosto dela e ela reagiu. Começamos a brigar, peguei uma faca”, contou ele. Na tentativa de fugir do agressor, parte de um dos dedos dela foi arrancado.
O Portal Dia Online contou a história de Géssika em uma reportagem exclusiva. Lei aqui.
A casa em que Géssika foi assassinada, a 5 km de onde teve o corpo abandonado, fica no fundo de um lote escorrido, característica da geografia do Setor Leste Universitário. Do portão, quase não se vê a estrutura do imóvel de três quartos, sala, cozinha, um banheiro e área de serviço.
Com paredes de cor branco gelo fosco por dentro e rosa salmón nas paredes de fora, a casa no fundo do quintal abafou os gritos da vítima enquanto era espancada e esfaqueada. “Ela gritou duas vezes depois de perdeu as forças”, descreveu Marcos. Os vizinhos do fundo, consultados pela reportagem, não quiseram comentar o crime.
A reportagem percorreu o local entre as 9h e 11h dois dias depois da prisão da dupla. A movimentação na rua não muda, como garantiram vizinhos. “Sempre tem gente aqui na mercearia. Acho que vi esta mulher parando aqui em frente. Ela fez uma ligação e o Marcos saiu no portão, chamando ela”, imagina um vizinho.
Em um bar, em frente à casa, um pedreiro fazia reparos na calçada. Não quis comentar o crime. Em uma mercearia a duas casas à esquerda do endereço do crime, cinco homens comentavam a rotina de Marcos e defenderam Arthur.
“Marcos era uma criançona. Vinha aqui, comprava esquine ou bolacha e ia para casa”, conta Beto, há trinta anos dono da mercearia. Para o grupo, Arthur era irreprimível.
Pesando acima de 80 quilos, Marcos vestia camisetas que ficavam apertadas no corpo, colocava boné aba reta e atravessava a rua. Entrava no bar, confiante, cercado de amigos, escolhia um taco, ajeitava as bolas em formato de triângulo e acertava o bolão branco bem no meio. Era um dos melhores no bilhão e zombava dos colegas.
Mas desde que cometeu o crime, Marcos não aceitava mais os desafios dos amigos. “Ele se dizia mal porque estava sem dinheiro. Parecia preocupado”, conta um dos melhores amigos. “Nunca pensei que ele pudesse fazer algo assim com alguém, principalmente com uma mulher.”
Marcos, conforme confirmou jovens que o conheceram, sempre tratou as mulheres com galanteio. “Tinha uma fala bonita, cantava e tinha mania de desenhar a gente”, relata uma das moças com quem Marcos se relacionou.
No perfil do Facebook, Marcos se oferecia sempre para desenhar jovens. “Voltar a desenhar, neh. Só falta a modelo”, escreveu em março em uma das várias vezes que seduzia jovens.
Marcos fez curso de vigilante três meses antes de matar Géssika
Em junho de 2018, Marcos pagou R$ 600 reais em um curso de 21 dias para vigilantes. Seria a saída para o desemprego. Depois de pegar o certificado, enviou currículos, mas ninguém respondeu, conforme ele confirmou ao repórter enquanto era encaminhado a uma carceragem da Delegacia de Homicídios, no Complexo de Delegacias.
Durante o curso, no período entre 8h e 17h, frequentou aulas de defesa pessoal, de como se comportar diante de situações de estresse e ainda teve a oportunidade de atirar 76 vezes em aulas de tiro. Passou por exame psicotécnico e demonstrou boa saúde física e mental.
Willian Alves, instrutor e dono da escola em que Marcos se formou, contou para a reportagem que ficou surpreso com a prisão do ex-aluno.
“Ele era calado, não tinha perfil de criminoso.” Ainda segundo Willian, entre os 22 alunos que se formaram na turma de Marcos, ele era um dos que não tinha perfil para atuar na área, embora tenha atingido 9,5 na média.
No curso, Marcos também assistiu a aulas de criminalística e de como preservar local de crime. O instrutor não demonstra surpresa ao lembrar que Marcos deixou, na sala, no quarto e em um corredor sangue de Géssika.
A Polícia Civil encontrou na casa, ainda, a bolsa da vítima, o par de óculos respingado de sangue, a chave da moto e da casa dela e o documento da moto.
Casa do crime em Goiânia: muita diversão
Nos perfis do Facebook dos suspeitos, fotos e vídeos mostram agitação na casa em que Géssika tentou escapar da morte.
Aos 26 anos, desempregado, Marcos às vezes pegava o violão, acoplava um microfone em uma caixa de som e cantava, desafinado, Renato Russo ou qualquer modão de viola. Para encaixar o corpo da mulher em uma caixa, cortou o fio do microfone e o utilizou para amarrar a vítima.
Durante uma festa em junho, Marcos brincou de mágico com amigos. Na mesma sala em que esmurrou Géssika, provocando sangramento, ele brincava com um cachorro Pit Bull que ninguém conseguiu explicar o paradeiro. Sala usada por amigos de Marcos e Arthur na festa da virada do ano de 2017 para 2018.
Deixando bem claro seu voto nas eleições, Marcos se dedicava a expressar uma opinião muito difundida em 2018. Em diversas publicações, dizia que “bandido bom é bandido morto”.
E abril, ele compartilhou vídeo de presos doentes, gemendo, sem assistência médica em uma penitenciária. Ironizou na legenda: “Que vídeo mais legal, que morram kkkkkkkkkkk”.
Em outro vídeo, Marcos compartilhou vídeo em que suspeitos de roubos são espancados pela população. Dois homens e uma mulher são violentamente agredidos com chutes, pedradas e capacetadas. Marcos escreve: “Brasil que eu quero”.
Agora, ele aguarda decisão judicial para ser encaminhado para a Central de Triagem, no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. Pode ser condenado a 30 anos de prisão. Arthur, contudo, ainda é investigado. O carro dele foi apreendido e deve passar por exames.
Um perito constatou manchas estranhas, mas apenas exame de DNA poderá constatar material genético compatível com o de Géssika.
Na vizinhança, a expectativa é que a Polícia faça uma reconstituição. “Assim a gente vai ter certeza da participação de Arthur”, acredita um vizinho, enquanto mostra para o repórter imagens de monitoramento de segurança. Nas imagens, os policiais se preparavam para entrar na casa dos amigos.
O vizinho conta que policiais pediram imagens do dia do crime. “A polícia veio aqui 33 dias depois. Meu HD apaga automaticamente 30 dias depois. Certeza que minha câmera ia mostrar a mulher chegando e depois sendo levada lá para a Praça do Trabalhador.”
Outro vizinho murmura e concorda: “Ia esclarecer tudo.”