Para os conhecedores de construção civil, cobogó é um tijolo vazado, criado nos anos 1930 e que está presente em diversas obras da arquitetura modernista brasileira. Já para os amantes da literatura, Cobogó é uma editora que aposta no experimental, nos livros que passam despercebidos por boa parte dos profissionais da área. “Livros que refletem o que está sendo produzido e pensado hoje. E que refletem os reflexos que o tempo presente tem na cultura como a entendemos, apontando para diferentes visões de mundo e do estado das coisas”, explica Isabel Diegues que, ao lado de Marcia Fortes e Ricardo Sardenberg, criou a Cobogó em 2008.
Em dez anos, eles tanto olharam para áreas desprotegidas no mercado editorial (como a coleção de peças teatrais) como livros pensados na editora, sem a necessidade de se adquirirem direitos autorais.
Para comemorar sua primeira década, a Cobogó lança nesta segunda, 3, Beatriz Milhazes, Colagens, que contará com a própria artista, no Itaú Cultural, na capital paulista, a partir das 19h. Trata-se de um belo exemplo do que Isabel entende por livros que são intimamente ligados a um projeto adjacente ao próprio livro, ou seja, neste caso, trata-se de um recorte específico da obra de Beatriz Milhazes, uma das artistas mais importantes no mundo atual da arte.
“Beatriz é reconhecida no mundo todo, tem diversas publicações, mas todas centradas em suas pinturas, hoje obras consagradas. Já o trabalho de colagem em sua obra tem um papel fundamental, mas é mais enxuto, pois ela não produz tanto, nem tem a visibilidade das pinturas”, observa a editora, que também é cineasta, seguindo a carreira do pai, Cacá.
De fato, em 2003, quando fazia uma residência na Bretanha, Beatriz distribuiu chocolate para sua equipe, mas pediu que lhe devolvessem o papel da embalagem. Com muitos exemplares na mala, a artista voltou ao Brasil para iniciar um trabalho até então inédito em sua carreira, o de colagens. Curiosamente, Beatriz via essa técnica como algo secundário, como um rascunho para uma obra mais acabada. “Ajudou a desenvolver minha linguagem sobre pintura apenas com tinta, desenhos originais criados por mim, mantendo a intensidade e a lealdade das cores”, conta ela, em entrevista publicada no livro. “Eu podia justapor e conferir as imagens antes de colá-las na tela, e também a textura da superfície era lisa.”
“As colagens têm uma espécie de diálogo com um diário imaginário. Os papéis colecionados vêm de uma variedade de interesses: às vezes é uma atração estética, em outras são parte de uma rotina, como embalagens de chocolate ou recortes que sobraram de impressões existentes”, observa Beatriz, justificando o motivo de como essa construção da composição da colagem consegue criar um diálogo que só existe na colagem.
“A escolha de um recorte singular como esse, inédito e da maior riqueza, reafirma o papel da Cobogó de publicar aquilo que pouco se conhece, lançar luz sobre ideias e obras que podem alcançar mais leitores e espectadores ao chegar ao livro”, comenta Isabel, lembrando de outra obra pensada dentro da editora e que deve ser lançada no início de 2019: Hans Ulrich Obrist: Entrevistas Brasileiras, reunião de conversas que o crítico suíço manteve com artistas e pensadores brasileiros ou que desenvolveram seu trabalho no Brasil.
Outra coleção que distingue a Cobogó das demais é a de dramaturgia. Ciente da importância de uma peça ser conhecida também por pessoas que não podem acompanhar sua montagem no palco, a editora tornou públicos importantes textos como os do brasileiro Jô Bilac ou do canadense Daniel MacIvor. “Não é propriamente a potência literária que nos interessa, mas a potência da linguagem, da visualidade, dos conceitos, das invenções, dos usos de ferramentas clássicas”, diz Isabel.