Foram 20 meses entre o anúncio de que a HBO adaptaria a (amada) quadrilogia napolitana de Elena Ferrante e os dois primeiros capítulos de My Brilliant Friend, exibidos no domingo e na segunda no Brasil, com atraso de uma semana em relação aos Estados Unidos e a Europa.
Para os que se apaixonaram pelas duas garotinhas que se unem para sobreviver à miséria – material e, principalmente, de espírito – em um bairro periférico da Nápoles do pós-guerra, demorou uma eternidade. A espera, porém, valeu cada minuto: com colaboração da autora, a série, até aqui, é fidelíssima ao primeiro de seus quatro livros. Todas as cenas-chave estão lá.
Para quem chegou agora: Lila, ou Raffaella Cerullo, interpretada nos primeiros capítulos pela ótima Ludovica Nasti, e Lenu, ou Elena Greco, papel da também ótima Elisa Del Genio, cresceram juntas, entre a violência familiar, das ruas e da máfia napolitana. “Não tenho saudade da nossa infância cheia de violência (…). Fazer mal era uma doença”, escreve Elena Ferrante já na página 29, para dar o tom do que virá pela frente.
Os dois primeiros episódios da série – que terá oito capítulos nesta primeira temporada – mostram a infância das meninas. Assim como no livro, quem narra é Lenu, que resolve pôr no papel os quase 60 anos de amizade incondicional e rivalidade sem limites entre elas depois de descobrir que Lila desapareceu, como sempre prometeu que faria.
Ela então volta ao começo de tudo, no bairro onde nasceram, sem nome no livro, mas inspirado no real Rione Luzzatti, em Nápoles. Delimitado por um túnel e a linha do trem, é o mundo claustofóbico e empoeirado das meninas, onde ser criança é permitido até mais ou menos os seis anos de idade. Daí em diante, é a (dura) vida real, especialmente para uma garota.
Elas querem estudar, mas o pai de Lila e a mãe de Lenu acham que o ensino fundamental basta para quem terá como destino, se tiver sorte, um bom casamento. Enquanto isso, uma Lenu em eterno conflito consigo e com o mundo descobre a inveja que sente por (e desperta em) Lila.
Quem leu Elena Ferrante deve se emocionar ao ver o microcosmo caótico das meninas ganhar vida e as muitas famílias da trama, rosto e voz. Cenas e personagens que parecem banais à primeira vista ganharão importância ao longo da história.
O que parece apenas uma maldade de criança, quando Lila, sem mais nem menos, joga a boneca de Lenu em um porão, define as próximas seis décadas de dependência, competição, amor e desamparo – o que o leitor descobrirá, meio em choque, apenas na última linha das quase 1,7 mil páginas da quadrilogia.
Os que, por outro lado, vão entrar no mundo das garotas pela série de TV, sem passar pelos livros, podem achar tudo com um jeito de dramalhão italiano meio banal, impressão reforçada pelos diálogos em italiano e no dialeto napolitano e pelo cenário com cara de estúdio – o diretor, Saverio Costanzo, optou por construir o bairro do zero em vez de usar uma locação real. Mas não se engane, não há nada de banal aqui e, talvez seja essa a grande sacada de Elena Ferrante: transformar um argumento simples em um épico que atravessa o tempo.
Os próximos capítulos devem mostrar a adolescência das meninas, em que tudo, violência, rivalidade, amor e pobreza, é amplificado. Lila e Lenu ganham corpo e voz com as atrizes Gaia Girace e Margherita Mazzucco, respectivamente, muito parecidas com as crianças da primeira fase – as quatro atrizes foram escolhidas entre milhares de candidatas, em audiências que levaram meses.
Lila mantém a ira no olhar e Lenu, a insegurança de nunca se achar boa o suficiente – pelo menos não quando se compara à amiga, o que faz absolutamente todos os dias. A série deve seguir a estrutura da quadrilogia e terminar a primeira temporada no fim do primeiro volume, A Amiga Genial. Se assim for, é melhor segurar o fôlego desde agora: será um fim surpreendente – e esperar pela próxima temporada deverá torturar seus fãs por mais um longo tempo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.