Um pesquisador chinês alega ter dado um passo inédito na ciência mundial: a criação dos primeiros bebês geneticamente modificados. He Jiankui, de Shenzen, diz ter alterado o DNA de gêmeas que nasceram no início deste mês com uma “poderosa” ferramenta.
Se for verdade, o feito, além de um grande salto para ciência, seria também paradigmático no que tange à ética. A China proíbe a clonagem humana, mas não especificamente a edição de genes. “A sociedade vai decidir o próximo passo, em termos de aceitar ou de proibir essa ciência”, disse He.
O caso será divulgado oficialmente na terça-feira, 27, durante a Conferência de Edição de Genes, em Hong Kong. Segundo o pesquisador, ele alterou embriões de sete casais durante tratamentos de fertilidade, mas apenas um engravidou. He explicou que seu objetivo não era curar ou prevenir doenças hereditárias, mas tentar criar uma característica que poucas pessoas têm: a habilidade de resistir a possíveis infecções pelo vírus transmissor da Aids, o HIV.
O pesquisador ainda informou que os pais das crianças pediram para não serem identificados ou entrevistados. He escolheu modificar geneticamente o gene contra o vírus HIV porque, segundo ele, trata-se de um grande problema na China. Ele tentou desativar um gene chamado CCR5, que forma uma porta proteica que permite que o vírus que causa a Aids entre em uma célula.
No experimento feito com sete casais, todos os homens tinham HIV, e todas as mulheres não tinham o vírus, mas a alteração genética não foi feita para evitar a transmissão, uma vez que há diferente maneiras de fazer isso sem a modificação do DNA.
Não há nenhuma confirmação independente das declarações de He, e o experimento não foi publicado em uma revista científica, onde seria vetado por outros especialistas. Alguns cientistas revisaram o material que o pesquisador disponibilizou para a agência de notícias Associated Press, mas disseram que a informação é insuficiente para dizer se a edição funcionou ou se danos estão descartados.
Eles também notaram evidências de que a edição estava incompleta e que pelo menos uma
gêmea parece ser uma “colcha de retalhos” de células com várias mudanças.
Um cientista americano disse que participou do trabalho na China, mas explicou que esse tipo de edição de genes é proibido nos Estados Unidos, porque as mudanças no DNA podem ser transmitidas para futuras gerações e podem prejudicar outros genes.
Muitos cientistas acreditam que esse tipo de trabalho é muito arriscado para ser experimentado, e alguns deles denunciaram o estudo chinês como experimentação humana.
“Isso é inconcebível… Um experimento em humanos que não é nem moralmente nem eticamente defensável”, disse Kiran Musunuru, um especialista em edição de genes da Universidade da Pennsylvania e editor de uma revista científica.
“Isso é prematuro demais”, completou Epic Topol, que comanda a Scripps Research Translational Institute of California.
Os críticos também alegam que não é possível precisar se os casais participantes tinham total entendimento do procedimento, porque, nos formulários de consentimento, estava descrito como “programa de desenvolvimento de vacinas contra Aids”.
Mas He afirmou que ele explicou os objetivos do procedimento e deixou claro para os casais que o processo nunca tinha sido feito anteriormente. Além disso, ele disse que providenciou cobertura médica para todas as crianças concebidas pelo projeto.
Aqueles que se posicionam contra o “experimento” de He ainda ressaltam que as pessoas afetadas podem ficar mais sujeitas a pegar outras viroses, como gripes comuns.
Mas há quem defenda o estudo. George Church, um famoso geneticista da Universidade Harvard, destacou a iniciativa de tentar editar genes “à prova” do HIV, que ele chamou de grande ameaça à saúde pública.
A edição de DNA é uma tecnologia recente. Há poucos anos, os cientistas descobriram uma forma fácil de alterar genes, conhecida como CRISPR-cas9, mas só recentemente foi testada em adultos para tratar doenças fatais.
O projeto do cientista chinês está suspenso até a segurança deste primeiro experimento ser analisada por especialistas.
He Jiankui estudou na Universidade Rice e na Stanford, ambas nos EUA, antes de voltar ao seu país natal para abrir um laboratório na Universidade do Sul de Ciência e Tecnologia, em Shenzhen. Ele também tem duas empresas genéticas. No laboratório, segundo ele, são feitas modificações de genes em ratos e macacos.