Se fosse por ele mesmo, Martinho da Vila não estaria com um disco novo. Não por falta de material novo, não por desinteresse no desafio, mas por já desacreditar do formato. “Eu não ia mais gravar discos, agora é tudo digital. Mas era um ano comemorativo, meus 80 anos de vida, 60 de carreira. Então, resolvi fazer.” E o que ele fez passa por isso, um disco sem a pressa da juventude, sem a euforia dos iniciantes. Martinho declama, evita formações clássicas do samba, investe em formatos menores e, por algumas vezes, fala com a nostalgia dos homens de 80 anos. O primeiro show em São Paulo para lançar o disco “Bandeira da Fé” será no dia 9 de dezembro, no Teatro Bradesco.
“Eu mesmo acho que não sou saudoso de nada”, garante Martinho. “Que sou o hoje, o futuro. Mas ouvindo de novo algumas letras que gravei, como você está falando, acho que tem razão.” Então, vamos ao que canta Martinho. Depois Não Sei é um típico samba martiniano, desses de cadência lenta, respirações longas e poesias desapressadas. Um pandeiro, alguma outra percussão, um violão e bandolim. Ouvir o homem de Canta Canta, Minha Gente e Mulheres dizendo versos como “fiquei adulto / Já estou maduro / Fui muito amado / E muito amei / Se Deus quiser, eu vou / Ficar bem velho / A morte é certa / Depois não sei” não parece tão fácil. Mais ou menos evidente, a saudade está no centro de Bandeira da Fé. Ó Que Saudade a coloca na frente de tudo. Mas mesmo em O Sonho Continua, que traz Rappin Hood rapeando a seu lado, fala, mesmo em forma de protesto, de um sonho.
O samba Bandeira da Fé, de Martinho com Zé Catimba, tem um engavetamento curioso. Martinho nunca havia gravado. Música com potencial de hit desde a origem, com a exaltação que explodiu nos anos 1980, chegou a ser lançada por Luiz Carlos da Vila em 1983, sem nenhum barulho, e com mais holofotes por Agepê, em 1984. Gravando Martinho, Agepê (morto me 1995) estabeleceu a marca de primeiro sambista a vender mais de 1 milhão de cópias como o LP Mistura Brasileira. “Meus discos sempre vinham conceituais e essa música sempre sobrava. Finalmente, consegui gravá-la”, recorda.
Minha Nova Namorada, vale o spoiler, é inteiramente declamada sobre uma base de cordas e uma percussão suave. Uma sonoridade bastante cabo-verdiana sem tempos marcados. É mais um momento em que Martinho deixa a festa, a divisão clássica do samba, e parte para uma narrativa falada. A “nova namorada” à qual ele declama seu amor será revelada no final, a Barra da Tijuca. “Fiz esse disco assim mesmo, com uma sonoridade para se ouvir mais o lado instrumental mesmo. Nada de ritmo pesado. Sem surdo nem tamborim, mas o suingue está presente”, ele autoanalisa. “Fiz também um disco para ser declamado, mais do que cantado.”
Ser Mulher, que começa com os toques de terreiro, foi composta com o eu feminino. Quem declama aqui as frases é Glória Maria. Pode ser sim um contraponto à infelicidade poética de Você Não Passa de Uma Mulher, que Martinho fez e cantou para o disco Maravilha de Cenário, de 1975. O feminismo à época, mesmo despertando, o acusou de machismo. Ou ao supersucesso Mulheres, gravado em 1995 no álbum Tá Delícia, Tá Gostoso, embora já haja interpretações de que o homem que diz que já teve mulheres de várias idades e muitos amores, ao final, ficaria com um homem se tornando assim, um raro samba com tema gay.
A conversa com Martinho da Vila ganha outro rumo e para em Beth Carvalho. Impossibilitada de ficar de pé por sérios problemas na coluna, a rainha do samba fez neste ano um show deitada, rodeada pelo grupo Fundo de Quintal. Foi uma das imagens mais fortes e tradutora do espírito que Beth mesmo reforça de que “o show não pode parar”. Martinho ouve em silêncio para dizer um sofrido “Beth não joga o pano”. Nascido em Duas Barras, no Estado do Rio, em 12 de fevereiro de 1938, Martinho lembra que quebrou a perna quando gravou o álbum Batuqueiro, em 1986. “Eu estava em casa, de licença, mas resolvi ir ao estúdio para sair um pouco de casa. Cheguei lá, os caras me colocaram sentado e acabei gravando o disco todo assim.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
MARTINHO DA VILA
Teatro Bradesco. Rua Palestra Itália, 500, 3º piso, Bourbon Shopping. Dom. (9/12), às 20h. De R$ 80 a R$ 160