Mesmo com 82 anos e cabelos brancos que impõem respeito, Emygdio não gosta de ser chamado de senhor. Prefere “você”. É como se todos fossem seus amigos ou conhecidos. É assim que ele também define a sua própria torcida, a do Palmeiras. Mas isso não é de hoje. Emydgio tem uma história de vida que se mistura à do clube. Nascido em 22 de março de 1936, esse advogado viu todas as nove conquistas de campeonatos brasileiros do alviverde.
Algumas ele ouviu pelo rádio, outras ele estava nos estádios, no velho Parque Antártica, no Pacaembu e no Morumbi, e as mais recentes pela tevê. A memória de Emygdio Scuarcialupi vai e vem pelas alegrias, mas não falha. Ele fala devagar, de um jeito claro e direto. Reviver os nove títulos é uma forma de ser campeão de novo, 18, 27 vezes, até onde mandar a enjoada tabuada do nove.
A moldura das lembranças é sua própria história. Nos anos 1960, época de ouro da Primeira Academia e de quatro títulos nacionais, ele estava entrando na faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Era a sua academia. “A conquista do Paulista de 1959 foi tão importante quanto à do Brasileiro do ano seguinte. Foi uma vitória em cima do Santos de Pelé”, recorda-se.
O filho de italianos que nasceu no Cambuci sabe de cor e salteado a escalação da Segunda Academia, bicampeã em 1973 e 1974. Ele diz como se declamasse um poema – “Leão; Eurico, Luís Pereira, Alfredo e Zeca; Dudu e Ademir da Guia; Edu, Leivinha, César Maluco e Nei”. Fala com as mãos grudadas na poltrona de madeira da sala de sua casa, na zona sul de São Paulo. Ele argumenta que o Palmeiras cedeu seis atletas para a Copa de 1974. Uma seleção. Literalmente.
Ele acha que os times de 1993 e 1994 foram “maravilhosos”, mas não se comparam aos da Academia. E lembra com carinho da taça de 2016, a primeira que os netos acompanharam.
Na parte de trás da casa (verde, mas só por coincidência), ele mostra o seu lugar preferido: churrasqueira e uma sala com o brasão da família e as camisas históricas. Na hora da foto, ele pinça uma camisa sem patrocinadores. Emygdio é simpático, falante, ágil e arrisca até alguns chutes na bola que o neto, Heitor, deixou no quintal.
A rotina do advogado é puxada. Diariamente, ele vai até o escritório na rua Benjamin Constant, centro da cidade. O expediente é das 8h30 às 16h. Com 50 anos de carreira, ele consegue transitar por todas as áreas do Direito. Na hora do lazer, gosta de zapear com o controle da tevê, nos jogos e mesas redondas.
Ele também gosta de escrever e entrega ao Estado uma folha de sulfite com uma frase escrita à mão. “O futebol é o mais belo e emocionante esporte coletivo, aberto a todos. Lamentavelmente, porém, nele participam brutamontes, trogloditas e mastodontes”, diz. É verdade esse bilhete.
Para a primeira foto, ele fez questão de chamar dona Lucia, sua mulher há 47 anos. Eles se conheceram no curso de Direito. Conversa no sofá. Café feito na hora. Não deu tempo de comer o bolo. A cadela Chiara procurando carinho. Afeto. Não dá para chamá-lo de senhor.